Unidade prisional referência em Santa Catarina, o Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, conhecido por Canhanduba, em alusão ao bairro onde está localizado em Itajaí, tornou-se o epicentro de uma semana violenta no litoral catarinense.
De terça-feira até ontem, sete mortes e pelo menos o mesmo número de ataques ocorreram em Itajaí, Navegantes e Balneário Camboriú. O estopim foi a insatisfação de presos com alimentação, atendimento de saúde e regras internas.
Em apenas cinco dias, a unidade deixou de ser exemplo estadual para virar a maior preocupação da segurança pública catarinense. Mesmo que a ordem para os atentados a policiais não tenha saído de dentro da estrutura, a motivação foi o apoio aos internos, a partir do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) com respaldo do comando central da facção.
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O histórico recente da unidade, que abriga presídio, penitenciária e ala de regime semiaberto, ainda traz uma fuga de sete presos no final de setembro deste ano. Os detentos estavam na penitenciária, onde não havia ocorrido fugas desde a inauguração da estrutura, há três anos. A controvérsia do atual cenário está no histórico da unidade. Além de servir como modelo para a construção de complexos em outras partes do Estado, foi vistoriada em 2015 por autoridades brasileiras e italianas para receber o ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, condenado no processo do mensalão.
No entanto, desde o ano passado a estrutura passou a enfrentar o seu maior problema atualmente: a superlotação. Os três prédios do complexo abrigam 2,2 mil presos para uma capacidade de 1,6 mil. E esse é o principal responsável pelos últimos momentos de instabilidade.
– A resposta é a superlotação. Em virtude disso ocorre uma série de problemas internos. São mais presos por cela, falta de vagas para trabalho – aponta o presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Itajaí, Leonardo Costella.
Nesta semana, em visita ao presídio, o advogado constatou que 1.041 presos estava no local, sendo que a capacidade é para 644 detentos. Do total de apenados, pelo menos 600 deveriam estar na penitenciária, que não pode receber mais pessoas por estar superlotada. Ainda há falta de espaço no semiaberto, uma das reivindicações dos presos. Segundo o juiz-corregedor do complexo, Pedro Walicoski, em 45 dias fica pronta a ampliação da ala de semiaberto com novas 176 vagas.
– Em todas as unidades ocorrem fugas, é um processo natural em uma estrutura que abriga hoje 30% além da capacidade. Abrigamos presos da Grande Florianópolis e acabou lotando – justifica Walicoski.
Para o comandante da Polícia Militar na região de Itajaí e Balneário Camboriú, coronel Claudio Roberto Koglin, as informações dos oficiais mais próximos à operacionalidade indicam que o regime da Canhanduba é rígido e dentro da lei. Porém, ele tem percebido aumento de movimentações internas dos presos:
– Temos percebido que os motins e ações dos detentos têm se tornado mais frequentes em busca de transferência para um regime disciplinar mais brando.
O Estado enfrenta atualmente duas batalhas judiciais para construir e ampliar unidades prisionais na região da Capital. Em São José, a prefeitura resiste à decisão da Secretaria de Justiça e Cidadania de implantar uma estrutura com 436 vagas. Na vizinha Palhoça, o município vai contra a ampliação da Colônia Penal Agrícola. Dessa forma, os presos excedentes da região são transferidos para outras unidades, principalmente para Itajaí.
Tumulto começou após diretor de unidade negar reivindicações
A mais grave e última ocorrência em Canhanduba começou na segunda-feira passada. Descontentes, os presos passaram a exigir melhoria na alimentação interna e encaminharam uma lista de reivindicações à direção da unidade. Na terça-feira, após uma rádio local divulgar os pedidos dos detentos, o diretor Juliano Malibu entrou em contato com a emissora e disse que não cederia às solicitações, o que gerou uma reação imediata dentro do complexo.
Por volta de meio-dia, iniciou o tumulto. Os detentos passaram a bater nas celas e forçar as grades. Com o protesto de moradores na frente do portão do complexo, o local foi isolado. Os manifestantes foram então afastados para um ponto a 500 metros de distância da entrada das unidades. Entre os gritos, soltavam fogos de artifício. No meio da tarde, a PM foi chamada para conter o grupo de familiares e os ânimos dentro do complexo.
Vizinhos do local relatam que o momento em que os policiais estavam dentro da unidade foi o mais tenso. Foi possível ouvir os barulhos de estouros. A cada ação, contam os moradores, os detentos provocavam: “joga mais”. Somente no final da tarde é que o clima voltou ao normal. O Deap transferiu 18 presos considerados mais perigosos para Criciúma.
Mesmo com a situação calma dentro da unidade, nas ruas a violência se instalou. Os atos surgiram a partir da ordem de um integrante do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) na terça-feira à noite. No áudio enviado aos membros da facção, ele pede que policiais e viaturas sejam atacados.
O primeiro ataque foi na BR-101, no acesso ao complexo, quando pneus foram queimados na rodovia e carros atacados com pedras. Depois, a casa de um policial militar aposentado foi atingida por tiros em Balneário Camboriú. Na mesma noite, além de um ônibus incendiado, três homens foram mortos no bairro Cidade Nova em confronto com a polícia. Quarta-feira à noite outras quatro pessoas foram mortas pela PM, desta vez em Navegantes. Entre os óbitos, estava um adolescente de 14 anos. Além disso, Na madrugada de ontem, um carro foi incendiado em Balneário Camboriú.
Com a redução dos casos, a polícia espera que no começo da próxima semana a situação se normalize na região. Neste sábado, o helicóptero Águia da PM continua no litoral para reforçar a segurança.