Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se o poder público deve pagar para pacientes com doenças raras e graves medicamentos de alto custo que não estão disponíveis na lista do Sus e que não têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A votação teve início no dia 15 de setembro e terá continuidade na tarde de hoje.
No Brasil, segundo estatísticas do Ministério da Saúde, cerca de 15 milhões de brasileiros são portadores de doenças raras e graves. O único voto até o momento foi o do relator, ministro Marco Aurélio, que entende que, nos casos de remédios de alto custo não disponíveis no Sus, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los, desde que comprovado que o medicamento seja imprescindível e que haja incapacidade financeira do paciente e sua família para aquisição. Porém, o ministro defendeu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na Anvisa.
Um dos pacientes que pode ser afetado pela decisão do STF é o menino João Vicente Patron, quatro anos, de Porto Alegre, que tem Síndrome Hemolítica Urêmica atípica (SHUa), uma deficiência genética rara que provoca uma falha no sistema imunológico, causando a destruição prematura das células do sangue. A síndrome já afetou rins, pulmão, coração e há três anos causou-lhe um AVC.
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Tratamento milionário
O tratamento de João se iniciou há três anos e é a base de Soliris, um medicamento feito em laboratórios do Canadá e que não é regulamentado pela Anvisa. Um frasco do remédio custa R$ 26,5 mil e a cada aplicação, feita duas vezes por mês, são utilizadas duas doses. Com isso, o tratamento custa R$ 106 mil por mês, mais de R$ 1,2 milhão por ano. No começo de 2014, a família conseguiu na Justiça que o Ministério da Saúde pagasse a medicação:
– Esse remédio mantém ele vivo. É muito brutal esse julgamento do STF. Estão responsabilizando os pacientes, que são as pessoas que não tem responsabilidade. Quem vai escolher ter uma doença como esta? Para mim, eles vão decidir se o João vive ou morre. Não existe outra opção de remédio – desabafa a mãe, a publicitária Laura Patron, 27 anos.
Com terapias paralelas ao uso do remédio, o menino conseguiu ter avanços que nem os prognósticos mais otimistas previam. Para bancar a fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, a família criou a campanha Avante Leãozinho e uma vaquinha online.
A delegada da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag) no Rio Grande do Sul, Deise Zanin, está preocupada com o que pode vir acontecer após a decisão do STF. Ela afirma que há demora para os medicamentos serem aprovados pela Anvisa – processo que, após aberto, leva em torno de 200 dias – e, depois, para ser incluído na lista do Sus.
– A gente espera que os ministros sejam humanos e sensíveis à nossa causa. A demora é muito grande e as vidas dos pacientes com doenças raras não podem esperar – afirma Deise.
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"O administrador público tem de fazer escolhas"
Para o procurador do Estado Tanus Salim, as decisões judiciais que obrigam o Estado a pagar tratamentos de alto custo fazem com que seja empregado um valor elevado de recursos para uma quantidade limitada de pacientes, enquanto uma parcela muito maior da população acaba sendo prejudicada por não haver dinheiro público para as demais demandas ligadas à saúde:
– Temos ciência da dificuldade. O problema não é ignorado nem menosprezado, mas, como os recursos são limitados e as demandas ilimitadas, o administrador público tem de fazer escolhas. O que está em discussão é a necessidade de atender a esse grupo limitado de pessoas ante todos os outros cidadãos que poderiam ser atendidos com este recurso.
Atualmente, há mais de 90 mil processos ativos contra o Estado solicitando que o governo banque tratamentos de saúde. Em 2014, o Rio Grande do Sul gastou R$ 235 milhões com tratamentos obtidos pela Justiça.
Apesar de haver medicamentos que podem ser pagos por município, Estado e governo federal, Tanus defende que os Estados é quem mais sentem esta conta. A decisão do STF servirá como base para as decisões dos processos que estão tramitando na Justiça. Ele acredita que a tendência é não reabrir as discussões nas sentenças já definitivas e que não cabem mais recursos.