Uma suspeita de pagamentos por serviços não prestados está há mais de dois anos sem apuração definitiva nem punições na Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), órgão do município.
A situação – semelhante à que Zero Hora encontrou no Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), em que empresa cobrava pela limpeza de bueiros que não existem – é mais um exemplo de desperdício de dinheiro público pela falta de fiscalização e controle de contratos.
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O caso envolve o trabalho de enfermeiros e de técnicos de enfermagem em abrigos, mão de obra fornecida pela empresa terceirizada Multiagil Limpeza, Portaria e Serviços Associados.
Uma sindicância, aberta em junho de 2014, mostrou que a Fasc pagava a integralidade do contrato sem que todos profissionais previstos aparecessem para trabalhar. A empresa disse a Zero Hora que desconhece o problema no contrato e a sindicância. A fundação é responsável pelo serviço de acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco em Porto Alegre.
Conforme o Portal Transparência da prefeitura, a empresa Multiagil recebeu da Fasc, desde 2012, um total de R$ 15,9 milhões em contratos diversos. Só no de serviços de enfermagem, foram pelo R$ 4,8 milhões, segundo a presidência da Fasc. Apesar de ainda manter contratos com a empresa, a Fasc até hoje não apurou quanto a Multiagil recebeu sem ter prestado os serviços.
Concluída no final de 2014, uma sindicância apontou falta de fiscalização no contrato e determinou a abertura de inquérito administrativo para apurar atos de improbidade do funcionário que era fiscal do contrato, Jonatas de Freitas Silva, e do então diretor-administrativo da Fasc, Miguel Barreto. A comissão de sindicância também indicou que o caso deveria ser comunicado ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado. Nada disso foi feito.
Um mês depois de as denúncias de irregularidades no contrato da Multiagil serem oficializadas dentro da Fasc, em maio de 2014, o diretor administrativo saiu da fundação e se tornou coordenador jurídico do Departamento de Esgotos Pluviais.
Em março deste ano, o TCE soube do caso e requisitou informações. As denúncias surgiram na Fasc a partir de um relatório feito por uma funcionária da Multiagil. Cansada de avisar da falta de prestação de serviços nos abrigos e de não ver o assunto ser resolvido, ela fez o relatório, que chegou ao presidente da fundação, Marcelo Machado Soares.
Além da falta de enfermeiros e de técnicos e do pagamento integral das faturas, foi apurado que a mulher do fiscal do contrato fora contratada pela Multiagil e recebera dois meses de salário sem ir ao trabalho. Na sindicância consta que ela teria devolvido os valores, mas é citado que há divergências nas informações, portanto, dúvidas sobre se realmente houve o ressarcimento e que isso deveria ser melhor apurado. Ainda não foi.
No restante, ficou demonstrado que a Fasc não tinha acesso à listagem de funcionários disponibilizados pela Multiagil e que gestores de abrigos não informavam sobre faltas. O fiscal do contrato declarou à sindicância que relatava os problemas à direção. Inclusive, apresentou e-mails enviados por ele. Silva também declarou que depois da troca da direção administrativa foi orientado a informar faltas no processo de pagamento e a promover descontos nos valores destinados à Multiagil.
A sindicância entendeu que o então diretor administrativo tinha conhecimento dos problemas e que deixou de apontá-los, permitindo pagamentos indevidos.
CONTRAPONTOS
O que diz Marcelo Machado Soares, presidente da Fasc:
"Tenho dificuldades para a formação das comissões para apurar, pois dependo da vontade dos servidores, não posso obrigá-los. Quero deixar claro meu esforço e dizer que o caso não passará em branco. Mas se eu não conseguir resolver pelo corpo técnico, terei que passar para a PGM. Entendi que não devia comunicar órgãos externos antes de concluir as apurações internas. A saída do então diretor Barreto não teve relação com a denúncia de irregularidades no contrato. Existia um desgaste natural de trabalho com as demais direções, e como o mesmo tinha convite do então Diretor do DEP, assim a mudança ocorreu. E nós criamos uma área de controle e fiscalização de todos os contratos terceirizados."
O que diz Jonatas de Freitas da Silva:
"Minha esposa fez processo de seleção na empresa Multiagil, mas nunca assinou contrato, não houve prestação de serviço. O pagamento foi um erro e foi devolvido. As faltas ao trabalho que apurei no contrato sempre comuniquei à direção administrativa, mandava e-mails e o assunto não se resolvia. Até ocorreram reuniões com a empresa, mas não se resolvia. Até que comuniquei os fatos ao presidente da Fasc, foi por isso que abriram a sindicância, e também pedi para não ser mais o fiscal do contrato. depois da troca da direção administrativa, ainda fiquei por mais quatro meses como fiscal e as faltas passaram a ser descontadas. Eu nunca fui comunicado do resultado da sindicância."
O que diz Miguel Barreto, ex-diretor-administrativo:
"Eu fui ouvido como testemunha. Não fui comunicado da conclusão da sindicância, nem me preocupei com isso, pois era apenas testemunha. Uma época havia muita troca de e-mails relatando problemas, faltas ao trabalho, determinei que tudo fosse encaminhado para a assessoria jurídica adotar medidas cabíveis. Não cabe ao diretor ir a campo verificar as informações. Eu recebia do fiscal do contrato e da minha coordenação administrativa e tinha presunção de que estava tudo dentro do previsto. Inclusive, por ideia minha, foi criado na Fasc o comitê de transparência para controlar todos os contratos."
O que diz Fernando Zysko, gerente-geral da empresa Multiagil:
"Para nós a existência dessa sindicância é novidade, não fomos intimados nem chamados pela Fasc. A empresa desconhece. Eu trato dos contratos e uma situação com esse relevância chegaria para mim. Quando ocorrem faltas é comum haver descontos, mas essa situação aí não fomos informados. Não procede essa sindicância, a empresa não agiu de má-fé e sempre honrou seus compromissos. É até leviano isso por parte da Fasc."