O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa criticou nesta quinta-feira a tramitação do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Para ele, as decisões sobre o afastamento foram tomadas sem levar a em consideração a opinião da população.
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– Como explicar ao mundo uma troca de comando tão espetacular? Nada sutil, apenas com a estampa de normalidade, como essa que está ocorrendo no dia de hoje. Como explicar ao mundo uma mudança tão brutal sem que ele, o maior interessado, o povo, tenha sido sequer cogitado como partícipe desse debate – disse ao participar da Vtex Day, feira de comércio eletrônico no Parque Ibirapuera, zona sul da capital paulista.
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Na início da manhã desta quinta, o Senado aprovou a abertura de processo de destituição de Dilma e o afastamento da presidenta por até 180 dias. O vice, Michel Temer, assume o cargo neste período. Ao final do processo, Temer pode tomar posse definitivamente, caso os senadores confirmem o impedimento da presidenta.
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– Não é estranho que o povo assista mais uma vez, como se deu no final do século 19, bestializado ao que os políticos estão a perpetrar no nosso país? Onde estão as vozes da população? – questionou Joaquim Barbosa na palestra.
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A expressão faz referência ao artigo do jornalista Aristides Lobo sobre a proclamação da República. Na ocasião, o autor ressaltou que a revolução organizada por militares e membros da elite política que derrubou o imperador não teve participação popular.
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– O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava –, diz o texto publicado em 1889.
A ascensão do PMDB, em uma provável aliança com o PSDB, também foi alvo das críticas de Barbosa.
– Estarão no comando do nosso país a partir de agora dois grupos bem especiais de operadores políticos – disse em referência aos dois partidos.
– O primeiro grupo, nestes 30 anos de vida democrática, jamais conseguiu eleger um presidente da República. Esse grupo terá agora a Presidência da República – disse em referência ao partido de Temer.
– O segundo grupo de operadores políticos, no prazo constitucionalmente marcado para as próximas eleições [2018], iria completar 20 anos sem ganhar uma eleição, sem ter o gosto de uma vitória – completou o raciocínio ao falar sobre o PSDB.
– Como justificar essa anomalia? Por que os nossos acadêmicos, os nossos intelectuais e os nossos meios de comunicação têm evitado esse debate específico?
Novas Eleições
Barbosa disse que é "radicalmente favorável" à convocação de novas eleições pra presidente.
– Essa é a verdadeira solução. A solução que eliminaria toda essa anomalia, esse mal-estar com o qual nós seremos obrigados a conviver nos próximos dois anos e oito meses. Dar a palavra ao povo – defendeu.
O ministro aposentado reconheceu, entretanto, que a medida tem empecilhos constitucionais. A única forma de ser aplicada, na visão de Barbosa, seria se Dilma tivesse renunciado e o vice tivesse feito o mesmo.
Dilma
Apesar das críticas ao processo e aos grupos políticos que devem assumir o poder, Barbosa também atribuiu parte da culpa pela instabilidade política à Dilma.
– A presidente Dilma Rousseff não soube conduzir o país. Não soube exercer a liderança que se espera de um chefe de Estado dessa envergadura. Ela agiu como se governasse para o seu grupo político e para os seus aliados de ocasião. Ela não soube se comunicar com a nação. Ela fez péssimas escolhas e cometeu erros imperdoáveis – disse.
Para o ministro aposentado, a presidenta não soube como lidar com a corrupção.
– Eu não digo que a presidente compactuou abertamente com os segmentos corruptos existentes no seu governo, partido e base de apoio. Mas ela se omitiu, silenciou-se, foi ambígua. Não soube se distanciar do ambiente deletério que a cercava. Não soube exercer o comando e acabou engolida por essa gente – analisou.
– Eu sei bem que a presidente da República que foi tirada do cargo no dia de hoje é extremamente impopular. Eu sei que há um sentimento generalizado pela sua saída. A minha preocupação é com os aspectos estruturais das nossas instituições – ponderou.
Motivação
Entre os problemas que deram origem à crise política, Barbosa apontou a relação que costuma ser estabelecida entre o Legislativo e o Executivo.
– Nada dessa promiscuidade que faz com que o presidente da República entregue setores inteiros da sua administração às lideranças no Congresso, para que essas lideranças organizem a robalheira dos recursos públicos. Nada disso está previsto na Constituição – criticou.
Barbosa disse acreditar que a destituição de Dilma esteja servindo a interesses espúrios.
– Eles querem tomar o poder a qualquer custo para continuar nas práticas ilícitas. É isso que está em jogo.
Barbosa também enfatizou que o mérito do impeachment não foi validado pelo STF, como, segundo ele, alguns tentam fazer parecer.
– O que o Supremo Tribunal tem feito é exercer o escrutínio moderado sobre o rito, o procedimento e as formalidades do processo. O Supremo não examinou, não pode examinar e provavelmente não examinará o mérito do impeachment – disse.
Joaquim Barbosa se aposentou do cargo de ministro do Supremo em 2014. Ele foi indicado à Suprema Corte em 2003, no mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.