Com o aprofundamento da crise econômica e a dificuldade crescente de pagar salários do funcionalismo, o governo de José Ivo Sartori tomará uma das medidas mais drásticas da gestão nos próximos dias: publicará decreto determinando corte de despesas próximo de R$ 4 bilhões em todas as secretarias e órgãos públicos. O Palácio Piratini não confirma os valores e a extensão, mas a medida deverá alcançar também os poderes Legislativo e Judiciário.
O valor da tesourada representa 6,3% do orçamento de 2016 do Executivo, fixado em R$ 63,4 bilhões. O contingenciamento ficará próximo do déficit previsto para o ano, de R$ 4,3 bilhões. Logo ao assumir, em janeiro de 2015, Sartori editou norma para economizar R$ 1 bilhão. Agora, o valor será quase quadruplicado. É provável que o decreto seja publicado no Diário Oficial ainda nesta semana. Em caso de atraso, o limite estabelecido pelo governo é a primeira quinzena de abril.
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– Adotaremos contingenciamento do orçamento deste ano. Estamos ultimando as tratativas com cada secretaria para definir onde poderemos avançar em termos de controle dos gastos correntes, assegurando o funcionamento da máquina pública, com os serviços mais essenciais, e um mínimo de investimento – explica Giovani Feltes, secretário da Fazenda.
A medida irá reforçar o controle de gastos de toda ordem nas estruturas públicas, e o nível de investimento ficará próximo de zero. Na argumentação do Piratini, não há alternativa. Os déficits se acumulam, a crise não dá sinal de arrefecimento e existe risco de o governo acumular duas folhas do funcionalismo em atraso nos próximos meses (leia matéria abaixo).
– De médio e longo prazo, não há saída se não houver uma reversão do quadro crítico da economia do país. A recessão nos tirou ao redor de R$ 2 bilhões no ano passado e tudo indica que o PIB (brasileiro) cairá de novo, em torno de 3,8% em 2016, o que é extremamente preocupante – justifica Feltes.
O decreto será a principal iniciativa no item da despesa. Na geração de receita, são vislumbradas três hipóteses para aliviar o caixa no curto prazo.
A renegociação da dívida com a União, em tramitação no Congresso, deverá reduzir o valor das parcelas mensais em R$ 150 milhões – será um benefício momentâneo, já que os descontos terão de ser pagos no futuro.
Venda da folha ao Banrisul é cartada
O Piratini, contudo, avalia que dificilmente assinará esse acordo se forem mantidas as exigências da União. Entre elas, a elevação da contribuição previdenciária dos servidores para 14% – o que o Tribunal de Justiça já considerou confisco –, a desistência das ações judiciais sobre o tema da dívida, a proibição de contrair financiamentos por quatro anos e a mudança dos planos de carreira do funcionalismo gaúcho, limitando os benefícios aos concedidos na esfera federal, mais enxutos. Sartori e Feltes negociam com o relator da matéria na Câmara, o deputado federal Esperidião Amim (PP-SC), a apresentação de um projeto substitutivo, com regras mais flexíveis.
A Fazenda também espera receber da União, a partir do final de abril, as três parcelas do Fundo de Apoio às Exportações. O montante a ingressar nas contas estaduais soma R$ 178 milhões.
De imediato, a cartada mais rentável deverá ser a venda da folha do funcionalismo para o Banrisul. O procedimento, aprovado pela Assembleia, está em fase de preparação no banco, com acompanhamento de auditorias externas. Essa operação é a esperança do Piratini para pagar o 13º salário de 2015, ainda pendente, sem comprometer ainda mais o pagamento dos salários. Em junho, vence a primeira das seis parcelas da gratificação atrasada – as cinco primeiras são de 10% e a última de 50% do salário.
Pagamento do 13º vai custar R$ 1,4 bilhão
O governo gaúcho não fala em quanto pretende arrecadar, mas as expectativas superam a casa de R$ 1 bilhão. A operação de pagamento do 13º de 2015 custará R$ 1,4 bilhão. No médio prazo, a Fazenda avalia a possibilidade de apostar na antecipação de receitas com a negociação de créditos futuros a receber do Refaz e do Fomentar, mas ainda não há decisão. A concretização das hipóteses depende de cálculos e interesse do mercado.
IPVA dará fôlego, mas crise deve se agravar em maio
A crise financeira do Estado voltou a dar sinais de agravamento em março. Se colocadas na balança, as contas e as receitas do período indicam saldo negativo de R$ 975,3 milhões. As consequências voltaram a respingar nos servidores públicos, que receberam R$ 1.250 na última quinta-feira. No dia seguinte, o governo depositou mais R$ 250, o que garantiu o pagamento integral de 35% do funcionalismo. A previsão é de que os complementos dos demais salários sejam pagos em parcelas distribuídas até 20 de abril.
A Secretaria da Fazenda diz que a arrecadação está dentro das projeções. De fevereiro para março de 2016, houve até um salto nas receitas de R$ 2 bilhões para R$ 2,317 bilhões. Mesmo com as medidas tomadas pelo Piratini, como o aumento de alíquotas do ICMS e os cortes de gastos, o problema continua sendo o tamanho da despesa. Além dos parcelamentos de salários, os fornecedores estão recebendo com atraso médio de 30 a 40 dias. E a parcela mensal da dívida com a União é paga depois do vencimento, via bloqueio das contas do Estado, desde abril de 2015.
– Haverão de pensar: se está dentro das previsões (a arrecadação), por que falta dinheiro? Importante lembrar que o orçamento deste ano foi aprovado de maneira realista. Ou seja, tudo se confirmando entre receita e o que teremos de despesas, ainda assim haverá um rombo de R$ 4,3 bilhões, e deixamos mais de R$ 2,5 bilhões de contas de 2015 para pagar ao longo deste ano – argumentou Giovani Feltes, secretário da Fazenda.
No dia 20 de abril, quando terminar de quitar a folha de março, o Piratini estará a 10 dias de começar um novo ciclo de pagamento de salários. A boa notícia é que abril será melhor para as finanças porque o novo calendário do IPVA concentrou as últimas rodadas de vencimento do tributo nesse período. A projeção é arrecadar mais de R$ 450 milhões neste mês, ante os R$ 98,5 milhões de março. O crescimento superior a R$ 350 milhões dará fôlego para o governo quitar a folha com um parcelamento mais curto, mas a situação voltará a piorar em maio: não haverá mais dinheiro do IPVA e entrará em vigor nova parcela do reajuste da segurança pública, com acréscimo aproximado de R$ 100 milhões na despesa.
Essas oscilações bruscas na saúde financeira são definidas pela equipe econômica como “efeito montanha russa”. Mas é fato consumado na Fazenda que, em meados de 2016, a situação irá piorar. Há prognóstico de que, em junho ou julho, o governo chegará ao ponto de terminar de pagar o salário atrasado no dia de começar a pagar a folha seguinte.
– O cenário, a partir de maio, é de muita dificuldade, algo além do que enfrentamos em 2015. Essa possibilidade (de um mês de atraso) existe – confirmou Feltes.
“Dinheiro da parcela não dá para nada”
No final de agosto de 2015, os servidores também receberam salários parcelados. O primeiro pagamento foi de apenas R$ 620. Na ocasião, ZH contou três casos de servidores públicos e os reflexos da crise nas suas vidas. Dois foram reencontrados pela reportagem agora, na passagem de março para abril de 2016, com novo parcelamento do contracheque. Os relatos são de piora na situação de vida.
– Estou escolhendo as contas a pagar. A prioridade é a clínica da minha mãe. O aluguel fica para depois e o cartão de crédito deixo vencido. Depois sobra para nós os juros – diz a professora Andrea Cezimbra Ortiz, 48, moradora de Porto Alegre. Em dificuldade, ela deixou de fazer tratamentos de saúde. Gastava mensalmente entre R$ 200 e R$ 300 ao mês com medicamentos. Diante da crise, deixou de dispor desse recurso.
– O dinheiro da parcela inicial não dá para nada. Procuramos não atrasar a prestação do carro, que tem juro maior. Acabamos pagando depois a escola, a luz e a água – diz o escrivão de polícia Marcos Kaefer, 47 anos, residente em Cruz Alta com a companheira Marley Remus, que também é servidora e ocupa o mesmo cargo na administração estadual.