Despensa vazia, telefone cortado, mato alto tomando conta do pátio e bebedouros secos. Esta é a realidade enfrentada por 140 alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental Padre Theodoro Amstad, no Bairro IAPI, Zona Norte da Capital, porque a verba destinada à merenda e à autonomia (usada para manutenção e compra de materiais) não chegou à conta da instituição. Isso acontece desde o início do ano letivo.
– Como uma criança vai estudar sem ter os recursos necessários? – questiona Luciane Michele dos Santos Ferreira, 39 anos, mãe de dois estudantes da Theodoro.
Necessidades
Diante das contas zeradas, Luciane decidiu chamar outros pais para buscar ajuda enquanto não chegam os recursos da Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Desde o início deste mês, um ofício lista as necessidades que vão desde alimentos a pessoal. O documento, com a assinatura da direção, tem servido para buscar doações na comunidade. "Nossas prioridades são: leite, qualquer alimento não perecível, material de higiene, material de limpeza", detalha o documento.
– A escola está quebrada, falida – destaca o comerciante Luis Fernando Bernardi Chaves, 36 anos, marido de Luciane e pai de Derick, 13 anos, da oitava série, e Riquelme, nove anos, da quarta.
A diretora, Tânia Regina da Silva Forte, explica que o fato de não ter havido eleição para a direção da escola – por falta de interesse dos professores que atendiam às exigências do cargo – atrasou os trâmites para que a nova gestão abrisse conta bancária em nome da nova diretora, por exemplo.
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Tânia foi indicada pela Seduc e teve o nome publicado no Diário Oficial do Estado no dia 4 de março, depois do início do ano letivo. Outro complicador, segundo ela, foi o fato de a presidente do Círculo de Pais e Mestres (CPM) ter morrido durante o recesso escolar e, com isso, haver a necessidade de uma nova eleição para o cargo. Para a aquisição dos gêneros da merenda, são necessárias as assinaturas da diretora e do presidente do CPM.
– Eu cheguei a ligar para a secretaria, mas dizem que são muitas escolas –reclama a dona de casa Daiane Xavier, 29 anos, mãe dos alunos Eric, 12 anos, e Evelyn, seis anos.
Não há alimentos para as crianças
Embora a comida da merendeira Laura Marinho seja elogiada, não há alimentos suficientes para preparação de qualquer refeição. A geladeira e o freezer estão vazios.
– A gente tem dado só biscoito (que sobrou do ano passado). Temos achocolatado, mas não temos leite. Vivemos de doações de pão, frutas, material de limpeza – diz a diretora.
Preocupados com isso, Luis e Luciane passaram a doar bananas e pães. Com o ofício em mãos, estão buscando mais doações.
– Quando não tem merenda a gente divide o lanche – conta Riquelme.
A massoterapeuta Fernanda Castro, 33 anos, confirma que alguns lanches são coletivos. Em vez de mandar um pedaço de bolo para o filho, tem mandado uma forma inteira para partilha entre a turma.
Todos ajudam na limpeza
A diretora garante que já fez toda a papelada no banco para receber o recurso da autonomia.
– A conta está aberta, só que não tem dinheiro – argumenta.
As carências vão além, segundo Tânia Regina:
– Eu estou sem vice, sem secretária, sem orientadora, sem o pessoal da limpeza. No dia 15, teremos o estudo de quadro (feito na Seduc). Mas se eu saio, a escola fica à mercê.
Enquanto não há funcionários para limpeza, os próprios alunos estão colaborando com a limpeza. É comum ver estudantes com as vassouras velhas nas mãos, tentando melhorar o espaço, enquanto os professores limpam os banheiros.
– Eu me prontifiquei a roçar o pátio, mas não temos o equipamento – disse o vigilante Paulo Martins, 43 anos, pai de Davi, seis anos, aluno do primeiro ano.
Sem telefone
De acordo com a diretora, em março, o secretário da Educação, Vieira da Cunha, esteve na escola. As necessidades foram apresentadas a ele, mas nenhuma providência foi tomada de lá para cá.
– Já ocorreu de uma criança cortar a cabeça porque o mato está alto no pátio e não tinha telefone para ligar – lamenta Luciane.
Crise e gestão atrapalham
Em relação ao atraso no repasse do recurso para autonomia financeira, a Secretaria Estadual da Fazenda confirma pendências que somam R$ 14,5 milhões a serem repassados às escolas estaduais. O motivo apontado é a crise financeira, mas também problemas de atualização de cadastro de algumas escolas após a troca de direções.
Em nota, a secretaria informou que boa parte destes valores em atraso será colocada em dia logo que a Fazenda consiga complementar a folha de março dos servidores (deve acontecer até o dia 20).
De acordo com a assessoria de comunicação da Seduc, o recurso para a merenda foi depositado na conta da escola, mas como não há CPM ativo, a escola não consegue utilizá-lo. Hoje, a coordenadora da 1ª Coordenadoria Regional da Educação (Cre), Jurema Garzella, irá orientar a direção da escola sobre os procedimentos para ativar o CPM.Em relação à falta de profissionais, a assessoria garante que o setor de Recursos Humanos da 1ª Cre irá repor os funcionários necessários.