Quando o voto do palhaço Tiririca (PR-SP) é um dos mais sóbrios em uma sessão de impeachment – e depois o deputado debocha dos colegas em vídeo em que simula dedicatória ao cachorro da família – há indício de que algo vai mal. Quando a deputada Raquel Muniz (PSD-MG) homenageia o marido, prefeito de Montes Claros (MG), como exemplo de gestão e ele vai preso em menos de 24 horas, é mais um alerta de que a Casa do Povo está virando palco de piadas prontas.
Em 1992, também houve referências familiares e arroubos patrióticos, mas mesmo o voto decisivo para aceitar processo contra Fernando Collor foi comedido. Paulo Romano (PFL-MG) disse: "Pela dignidade, por aquilo que Minas Gerais representa, voto sim. Viva o Brasil". Domingo passado, Bruno Araújo (PSDB-PE) chorou e foi carregado ao completar os dois terços necessários para admitir o impeachment de Dilma Rousseff. Há 24 anos, os deputados entoaram o Hino da Independência. Desta vez, tomaram emprestado das torcidas de futebol os versos "Eu sou brasileiro/com muito orgulho/com muito amor".
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A questão que intriga cientistas políticos é como elevar o nível do debate e reduzir a corrupção no parlamento. Para muitos, a saída é uma reforma política ampla. Uma das propostas é substituir o modelo eleitoral proporcional (leia abaixo).
– Devemos buscar um novo modelo eleitoral e um novo sistema partidário. O sistema deveria ser o distrital misto, e as coligações para o Legislativo tinham de ser banidas – opina Murillo de Aragão.
Rubem Cardozo sustenta que o fundamental é reduzir o número de siglas e limitar coligações. O atual modelo estimula alianças oportunistas para ampliar o tempo de propaganda na TV e atingir o quociente mínimo de votos para ocupar uma vaga, além de gerar distorções como dar cadeira a candidatos com menos eleitores do que outros.
As variações do sistema distrital diminuiriam o peso dos "puxadores de voto", concorrentes cujas supervotações ajudam a eleger correligionários menos votados. Ao somar mais de 1 milhão de votos, Tiririca levou consigo para a Câmara os colegas do PR paulista Capitão Augusto, com 46,9 mil votos, e Miguel Lombardi, com 32 mil.
Reformas esbarram na falta de vontade interna
Um novo modelo favoreceria ainda a redução dos partidos com representação na Câmara, cuja proliferação dificulta a governabilidade e fomenta a corrupção como meio de controlar o Congresso. Há uma série de projetos para alterar as regras do jogo político do país, mas não há mudanças radicais em vista até o momento. Outra reforma discutida há tempo, mas sem previsão de sair do papel, é a revisão do número de representantes na Câmara conforme o tamanho do eleitorado de cada Estado. O desafio para reformular o Congresso é que a decisão depende do próprio Congresso.