Borboletas coloridas penduradas na janela podem sintetizar boa parte de um encontro feminino na tarde desta sexta-feira. Os pequenos enfeites representam a liberdade e a transformação buscadas pelas mulheres diante de um ambiente político excludente e de predominância masculina. Por esse motivo, mulheres buscaram outras mulheres para aprender a atuar nesse cenário desfavorável ao gênero.
– Os homens querem nos ensinar demais. Estamos aqui para aprender com mulheres e repassar a outras – explica a agricultora assentada Inês Carmen Santin, líder do Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Eldorado do Sul.
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No mesmo dia em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou campanha para incentivar a participação de figuras femininas no âmbito político, o projeto "Mulheres, cidadãs que podem" foi lançado para empoderar e incentivar mulheres a conquistar cargos de influência.
De acordo com o último levantamento divulgado pelo Senado Federal, apenas 9% das vagas do Legislativo eram preenchidas por mulheres em 2014. Entre os países da América Latina, o Brasil apresenta a penúltima colocação – à frente apenas do Haiti – em relação ao percentual da presença feminina no parlamento.
Foi partindo de dados como esse que o movimento Coletivo Feminino Plural – com apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres e a parceria do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero da UFRGS (NIEM/UFRGS) – reuniu mulheres de diferentes faixas etárias e posições sociais. Dentre as 30 presentes, algumas já ocupam cargos políticos ou posições de liderança em movimentos sociais e comunitários. Adotando um tom de companheirismo, as participantes trocam experiências e acompanham, até o final da tarde de sábado, aulas de cidadania, democracia e igualdade de gênero.
O debate, porém, vai muito além da política. Em suas falas, as mulheres transpareceram a vontade de serem totalmente independentes e equiparadas intelectualmente aos homens. O feminismo ocupou boa parte das discussões do evento nesta sexta-feira, assim como as críticas a atos machistas.
– Entrei no banheiro masculino hoje, e o aviso pra jogar o papel no lixo tinha o desenho de uma mulher. Essa discussão também nos faz enxergar o seguinte: em qualquer lugar que a gente esteja, até mesmo no espaço privado, quando começamos a ter consciência dessa questão de gênero, começa a transformação – concluiu uma militante.
Outra avaliação negativa das participantes foi a respeito dos partidos políticos, que destinam a maioria das vagas aos homens e poucas às mulheres que, se eleitas, sentem-se ilhadas e reprimidas.
– Algumas mulheres estão lá porque foram indicadas por um familiar que já está no meio (as chamadas "herdeiras políticas"). Mas não adianta ser mulher para votarmos nela, tem que ter uma proposta – observou outra participante.
Durante os discursos pessoais foram trazidas dificuldades práticas de quem é mãe e organizadora da casa, como horários noturnos ou no final da tarde para reuniões, a falta de uma conta bancária individual, a luta pela casa própria e até o uso do próprio corpo – espaço que tem sido alvo constante de violação.
Uma atividade no final da aula tornou palpável a teoria do Teto de Cristal, que representa os obstáculos enfrentados pelas mulheres no exercício do poder. A dinâmica consistia em passar por baixo de um plástico que era pressionado pelo grupo.
– O "teto de cristal" é uma barreira invisível que não se consegue ultrapassar. Algumas pessoas se levantam um pouco mais, mas ainda assim sofrem com os bloqueios que lhes são impostos. E como podemos combater essa barreira se não a vimos? Precisamos de um empoderamento real e não apenas formal – elucidou a mediadora da aula e cientista política Telia Negrão.
Além do curso ministrado em Porto Alegre nesta sexta e no sábado, haverá aulas nas regiões de Lajeado, Caxias do Sul, Pelotas, Litoral Norte e Passo Fundo. Datas e locais serão divulgados no blog do projeto.
*Zero Hora