Passa por mapas de bancadas atualizados dia a dia, ofertas de cargos, cerco aos indecisos, cortejo ao PMDB e pressão das ruas o desfecho do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A batalha na Câmara já teve início. O governo trabalha em uma ofensiva, com o reforço do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para impedir a oposição de alcançar os 342 votos que levam o processo de afastamento ao Senado.
O passaporte para a continuidade da gestão petista exige 171 votos. Planalto e oposição sabem que não contam com as somas necessárias no momento. Cada lado corre atrás de, no mínimo, mais 60 parlamentares para suas bases. Ambas coalizões veem na comissão especial, com 65 titulares, um termômetro. Independentemente do teor do parecer do colegiado, a palavra final será de todos os deputados. Assim, a comissão tem maior peso para Dilma, pois um relatório pró-impeachment seria mais difícil de ser derrubado no plenário, que deve votar a abertura do processo por volta de 13 abril.
– A comissão é apenas uma expressão. O plenário é outra conversa, são 513 votos. É possível reverter votos. Não está em jogo só o governo Dilma, o que está em jogo é a democracia – afirma a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ).
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O colegiado se reúne nesta segunda-feira para definir seu plano de trabalho. Um dos embates centrais é anexar ou não à denúncia contra Dilma a delação do senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS). A Câmara aceitou com o argumento de que a colaboração constava no pedido original. Presidente da comissão, Rogério Rosso (PSD-DF) aguarda parecer técnico. A base só aceita discutir as pedaladas fiscais. Do contrário, irá ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Na comissão, o PT também avalia se Dilma antecipa a apresentação de defesa por escrito, que deve ser feita em até 10 sessões da Câmara – o prazo está correndo desde sexta-feira. Parlamentares cobram que o documento seja lido pelo ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União (AGU). O esforço tentará convencer que as pedaladas fiscais não representaram crime de responsabilidade e alertar para os impactos da queda do governo.
– Vamos mostrar o prejuízo que é romper com a normalidade, o prejuízo econômico que trará para o país essa tentativa de golpe – diz Henrique Fontana (PT-RS).
Algumas estratégias são similares para governo e oposição. Ambos tentam decifrar os efeitos da janela que, até o momento, contabiliza 68 deputados trocando de partido. As próximas semanas serão de articulação à mesa, em jantares e cafés da manhã. O Planalto prevê marcação cerrada em Jovair Arantes (PTB-GO), relator da comissão e aliado de Cunha.
Apesar do turbilhão da delação de Delcídio e dos grampos de Lula, o Planalto confia na reconstrução da base, com a meta de reunir 260 parlamentares, acima do mínimo de 171. A soma é distante dos 110 projetados no momento. Dos partidos com ministérios, apenas PT e PC do B são fiéis.
O governo conta com Lula para acertos de bastidores, a fim de garantir apoio de aliados que já desertaram ou apenas se distanciaram, como PTB, PP, PR, PSD, PSB e PRB, considerados, pelo tamanho das bancadas, decisivos no plenário. Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), Jaques Wagner (gabinete presidencial) e Giles Azevedo (auxiliar especial da Presidência) colaboram na tarefa de reaglutinar apoio, que terá uma força-tarefa com outros ministros e líderes de partidos da base.
Defecções como as analisadas por PMDB e PP são importantes, mas não surpreendem. O ministro do Trabalho e Previdência, Miguel Rossetto, lembra que essa divisão nas siglas vem desde o período da eleição de Dilma.
A transferência da gestão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Ministério do Planejamento para a Casa Civil visa facilitar a articulação de Lula, capaz de tratar com parlamentares obras em suas bases eleitorais. Serão levantadas "necessidades" dos deputados em seus Estados, a fim de convencer indecisos ou virar votos. Alguns petistas defendem entregar mais ministérios e liberar emendas parlamentares. Em uma nova reforma, ministros sem voto, a exemplo de Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Tereza Campello (Desenvolvimento Social), iriam para o sacrifício. A oposição duvida que essa estratégia funcionará.
Bancadas pequenas são cortejadas pelos dois lados
– Quem vai aceitar um ministério de um governo que corre o risco de terminar em 60 dias? – ironiza Osmar Terra (PMDB-RS).
As articulações também revelam peleja pelos nanicos. O governo conta com PSOL, enquanto Rede está dividida. Outras seis siglas (PEN, PHS, PMB, PSL, PTN e PT do B) somam 28 parlamentares, procurados pelos dois lados, porém mais afinados com Cunha.
A oposição aposta em novas revelações da Operação Lava-Jato e no peso das eleições municipais, com deputados disputando prefeituras, para garantir os pequenos e rachar os grandes da base.
Como a votação do impedimento será aberta, ocorrem tentativas de impressionar de fora para dentro a Câmara. É o peso de mobilização nas ruas. A oposição se juntou a grupos como Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua e Revoltados Online. O PT conta com militância, sindicatos e movimentos sociais.
– É claro que há muitos parlamentares indecisos. Portanto, o peso das ruas e a mobilização das pessoas pelo Brasil haverão de convencer os duvidosos – afirma Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG).
Posição do PMDB na votação do processo intriga parlamentares
Maior bancada da Câmara e do Senado, com ensaio de desembarque do governo e herdeiro da faixa presidencial, o PMDB suscita dúvidas sobre sua posição no impeachment. As divisões internas impedem que seja apontado como um partido fechado para encerrar o mandato de Dilma.
A bancada na Câmara tem maioria governista, com cerca de 35 dos 65 integrantes no barco do Planalto, mas o cenário dá indícios de mudanças. Governista desde que emplacou dois ministros, o líder Leonardo Picciani (RJ) evitou frases fortes contrárias ao impeachment na instalação da comissão especial:
– O PMDB chega a esta comissão unido e ciente de sua responsabilidade com o país. Neste momento, a palavra de ordem deve ser serenidade.
Para as oito vagas do partido no colegiado, Picciani indicou cinco nomes contrários à saída de Dilma e três favoráveis. No entanto, deserções estão no radar. Leonardo Quintão (MG) e João Marcelo Souza (MA) ensaiam abandonar o governo. Souza é filho do senador João Alberto (MA), aliado de José Sarney (AP).
– A família Souza não se mexe sem acertar com Sarney. Se desembarcarem, é porque a turma do Norte e Nordeste vai tomando esse caminho – alerta um parlamentar.
Vice-presidente da República, Michel Temer avalia passo a passo a saída do PMDB do governo. Presidente do partido, o herdeiro da cadeira de Dilma mantém ritmo intenso de conversas em São Paulo e no Palácio do Jaburu, em Brasília. Seus escudeiros, Eliseu Padilha e Moreira Franco, constroem pontes no Congresso, cortejados pela oposição, que cobra o compromisso de Temer não tentar a reeleição em 2018.
Estratégia do Planalto envolve oferta de cargos
Partiu do vice a decisão de acatar os pedidos dos diretórios estaduais e antecipar para o dia 29 a reunião que avalia o fim da aliança com o PT. O encontro é um protesto contra nomeação do deputado Mauro Lopes (PMDB-MG) para ser ministro da Aviação Civil. O parlamentar ignorou a posição da legenda, que vetou a entrada de seus filiados em cargos por 30 dias. Lopes corre o risco de ser expulso, ato que serviria de alerta aos outros seis ministros do partido. Eles costuram a permanência em suas pastas caso Temer assuma. Partidos que ocupam ministérios com Dilma buscam acordo similar.
Em guerra com Eduardo Cunha e afastado de Temer, o Planalto acredita que é possível reverter o desembarque com ofertas de mais cargos. Lula é considerado decisivo em um cenário que prevê a reaproximação com o vice-presidente, considerada pouco provável. A meta é segurar o grupo de Renan Calheiros (AL) e garantir o Senado.
Escudeiros do presidente da Casa, Romero Jucá (RR) defende o fim da aliança e Eunício Oliveira (CE) é mais ponderado. O cortejo ao PMDB do Senado vislumbra uma proteção caso o impeachment passe na Câmara. Renan sinalizou em conversas reservadas nos últimos dias que, se o impedimento passar na Casa vizinha, o Senado não terá força para barrá-lo.