O teor de conversas gravadas a partir da interceptação de telefones do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sacudiu o Brasil desde o final da tarde de quarta-feira e serviu de munição para a crise política instalada em Brasília. Independentemente de interpretações sustentadas pela paixão ou por interesses políticos, há declarações de Lula e de Dilma Rousseff muito claras a respeito da postura de instituições e de desdobramentos da Operação Lava-Jato. Zero Hora consultou especialistas para analisar alguns trechos.
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SUPREMO ACOVARDADO
Conversa entre Lula e Dilma, gravada em 4 de março, dia em que o ex-presidente foi alvo da 24ª fase da Operação Lava-Jato, chamada Aletheia. O diálogo foi gravado às 13h02min, depois de Lula ser conduzido pela Polícia Federal para prestar depoimento.
"Em processos criminais, quando a pessoa reclama de um poder ou de uma instituição dessa forma, parece que, em algum momento, os explorou e obteve um êxito que não está tendo no momento, que estava acostumado com algo que não está mais sendo viável."
Lúcio de Constantino
Advogado criminalista e professor universitário, também atua na Lava-Jato.
NAS MÃOS DE ROSA WEBER
Na mesma conversa, da qual também participava o então ministro da Casa Civil Jaques Wagner, Lula faz referência ao pedido que sua defesa havia encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Corte suspendesse a investigação e se manifestasse sobre quem era competente para apurar os casos envolvendo o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia: se o Ministério Público Federal, na Lava-Jato em Curitiba, ou o Ministério Público do Estado de São Paulo. A análise do caso estava a cargo da ministra Rosa Weber. No mesmo dia em que a conversa foi gravada, sexta-feira, 4, a ministra indeferiu o pedido liminar da defesa de Lula para suspender as investigações.
"No pensamento de Lula, como ele colocou essas pessoas na Corte, nomeou, e, no caso da Rosa Weber foi a Dilma que nomeou, ele confunde as coisas. Acha que tem influência, que essas pessoas devem gratidão e favores. Atribuo isso até à ignorância dele, tão inteligente para algumas coisas, mas sem formação jurídica e sem noção de como funcionam as instituições. Conheço a ministra Rosa Weber, que jamais se curvaria, assim como outros ministros."
Paulo Heerdt
Desembargador aposentado e professor de Processo Civil na PUCRS.
O TERMO DE POSSE
Conversa com Dilma, gravada na última quarta-feira, às 13h32min, depois de Lula ter sido confirmado como ministro da Casa Civil. A presidente avisa estar enviando documento que seria o "termo de posse" para o cargo, e ressalta que Lula use só "em caso de necessidade". A oposição interpretou o gesto como tentativa de obstruir a Lava-Jato, que não poderia agir contra o ex-presidente caso ele assinasse o documento, ganhando com isso foro privilegiado. Dilma alegou que o termo só foi enviado porque não havia certeza se Lula compareceria à cerimônia de posse.
"A tentativa de obstrução deve ser investigada não só a partir das escutas, mas também pelos relatos existentes nas delações. Pessoas contaram terem sido procuradas por representantes do poder vinculados a interesses do partido sugerindo alternativas contra atos do Judiciário. Quando a presidente fala do papel a ser usado em caso de necessidade, não se trata exatamente de tentativa de obstrução da Justiça, mas de obstrução de uma instância. É a tentativa de barrar eventual prisão ordenada pelo juiz de 1º grau."
Lúcio de Constantino
Advogado
PRESSÃO NO MINISTRO DA FAZENDA
Em 7 de março, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, liga para se solidarizar com Lula por causa da investigação contra ele. O ex-presidente, mesmo sabendo que está grampeado, não se importa em usar de sua influência no governo para reclamar da atuação da Receita Federal nas investigações referentes à contabilidade do Instituto Lula.
"Lula demonstra uma personalidade autoritária, de um egocrata, que não considera as pessoas com opiniões divergentes."
Roberto Romano
Professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp
A INGRATIDÃO DE JANOT
Em conversa gravada no dia 7 de março, às 20h21min, o ex-deputado do PT Sigmaringa Seixas sugere a Lula apresentar documento ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reclamando da ação da PF que levou o ex-presidente para depor. Lula discorda, prefere contato informal com Janot e lamenta a ingratidão do procurador-geral, indicado para o cargo pela presidente Dilma.
"Não existe qualquer gratidão de chefe do Ministério Público a nenhum presidente ou governador. O MP age com independência e autonomia em relação a outros poderes, só devendo respeito às lei e à Constituição."
Sérgio Harris
Promotor, presidente da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul
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