Às 19h54min da última quarta-feira, paródias de cantos da torcida Gre-Nal começaram a dar ritmo ao protesto pró-impeachment que ocupava uma das pistas da Avenida Goethe, em Porto Alegre.
"Onde estão, ninguém os vê, são os corruptos do PT", gritavam os megafones, acompanhados das batidas de bumbos e das palmas de quem estava em volta. Dos carros que passavam, ouviam-se buzinas em sinal de apoio.
Essa tem sido parte da rotina de um grupo de opositores ao governo federal que, há uma semana, montou barracas no Parque Moinhos de Vento, o Parcão, e diz só abandonar o local quando Dilma deixar a Presidência. No autointitulado Acampamento Sergio Moro, o juiz responsável pela Lava-Jato, a ordem é que se faça barulho.
Vinte e duas barracas e um número incerto de inquilinos tomaram conta de uma das esquinas do parque para, nas palavras dos organizadores, tornar-se um "símbolo de resistência". A iniciativa partiu de integrantes do grupo Banda Loka Liberal, movimento de maioria jovem que se diz desvinculado de partidos políticos e, para além do "Fora, Dilma", defende o liberalismo e a intervenção mínima do Estado. São universitários e profissionais de diferentes áreas da classe média que não negam a pecha de elite. Só não os chame de "coxinhas".
– O conto de fadas está acabando não só nas camadas de classe A e B, mas também está chegando nas classes mais baixas. Não se pode dizer que se trata de uma revolta de classe média, porque não há mais uma divisão – disse Tiago Menna, 28 anos, um dos fundadores da Banda Loka Liberal.
O protesto foi inspirado em atos semelhantes ocorridos em cidades como Brasília e São Paulo. Parte da turma carrega a experiência de 2015, quando engrossou por 10 dias o acampamento que pedia a saída da presidente no gramado da Esplanada dos Ministérios. Na capital gaúcha, o "camping do impeachment" se profissionalizou.
Uma fita plástica faz as vezes de cerca e isola a área onde ficam instaladas as barracas (para entrar, só com permissão), um grande toldo sobre cadeiras de plástico funciona como uma sala de estar e uma churrasqueira de latão serve de cozinha. Os participantes têm se revezado para nunca desguarnecer o local, porque quase todos trabalham, estudam ou simplesmente querem ir para casa tomar banho. Eles garantem que a subsistência vem do bolso dos próprios organizadores e de doações de simpatizantes. Na noite de quarta-feira, um senhor levou repelente, salsichão e pão. Em seguida, os comestíveis foram parar na grelha.
Leia mais:
Em infográfico, entenda a Lava-Jato
Dilma diz que falta base legal para tirá-la do Planalto
Jorge Colares, 54 anos, denomina-se um ex-comerciante, porque o negócio que tocava "faliu, mesmo". Eleito prefeito do acampamento com 28 votos, vencendo uma disputa contra outros três candidatos, administra o recebimento de doações, organiza a recepção de visitantes e gerencia a vigilância do local. Zero Hora viu dois seguranças, funcionários de uma empresa privada, que monitoravam o entorno das barracas munidos de pedaços de madeira que se assemelhavam a bastões de beisebol. Cada um recebeu R$ 150 pelo serviço de um turno, sob a condição de ir vestido "à paisana".
Nas últimas semanas, as manifestações pró-impeachment no país têm se desvinculado da oposição exclusiva ao governo petista e despejado críticas, também, a políticos de outras siglas envolvidos em denúncias de corrupção. Caso o movimento alcance o objetivo de derrubar a presidente, a linha de sucessão inclui três nomes citados na Lava-Jato: o vice-presidente, Michel Temer; o presidente da Câmara, Eduardo Cunha; e o presidente do Senado, Renan Calheiros. Iria o "Acampamento Sergio Moro" permanecer para pedir a saída deles?
– Estaremos na rua lutando para que saia qualquer um que esteja envolvido em esquemas de corrupção. Queremos uma limpeza ética do país – afirma o estudante de Direito Alberto Flores, 27 anos.
O rito do impeachment é longo. Nenhuma decisão deve sair da Câmara antes de maio e, depois, o Senado precisa decidir se aceita ou recusa a abertura do processo. Isso significa que, se cumprirem o planejado, os ocupantes do Acampamento Sergio Moro não deixam o Parcão tão cedo. Disposição demonstram ter: às 23h55min, quatro horas depois do início da apresentação, a banda ainda tocava.
– Dilma vai cair primeiro, depois o Renan Calheiros, Lula vai para o cativeiro e o Cunha vai depois – retumbava parque afora.
* Zero Hora