A pressão do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ), Luiz Felipe Difini, para que o governo do Estado devolva o dinheiro dos depósitos judiciais provocou desconforto no Palácio Piratini – e ampliou a crise entre os dois poderes. Enquanto o governador José Ivo Sartori usou frases atribuídas a Albert Einstein para responder às críticas de Difini, a Secretaria Estadual da Fazenda divulgou nota afirmando que "não tem condições" de pagar a dívida _ que chega a R$ 10 bilhões.
O debate foi desencadeado pelo discurso de posse do chefe do Poder Judiciário, na última quarta-feira, quando o desembargador criticou a falta de programa de governo. Em relação aos depósitos judiciais – recursos de pessoas e empresas usados pelo Executivo para cobrir rombos nas contas –, Difini afirmou que "o senso de responsabilidade impõe a cessação da utilização indiscriminada destes recursos".
Segundo o magistrado, "o senso de realidade" impõe que "os poderes de Estado estabeleçam e efetivamente cumpram um calendário de reposições".
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Nesta quinta-feira, o presidente do Conselho de Comunicação do TJ, Túlio Martins, designado para falar em nome de Difini, explicou que a intenção do desembargador foi "mostrar claramente a posição do Tributal de Justiça".
– O debate está proposto. Os próximos movimentos devem ser do beneficiário dos saques. Esse desânimo dos governantes não serve ao Rio Grande – limitou-se a afirmar Martins.
No início da tarde, por meio de nota oficial, o secretário-adjunto da Fazenda, Luís Antônio Bins, informou que "a pasta não tem condições de estabelecer qualquer cronograma para recompor os valores sacados nos depósitos judiciais ao longo dos últimos anos, enquanto o Estado não alcançar o estágio de pleno equilíbrio fiscal".
Conforme a nota, "é preciso aguardar que as medidas adotadas pelo governador José Ivo Sartori para enfrentar os problemas estruturais das contas públicas surtam o efeito desejado".
Ao ser questionado sobre o teor do discurso de Difini após evento na Assembleia, nesta quinta-feira, o governador José Ivo Sartori disse que já esperava a pergunta.
Em seguida, leu aos jornalistas texto que, segundo ele, foi escrito pelo físico Albert Einstein. Um trecho diz o seguinte: "Falar de crise é promovê-la e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro, acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não lutar para superá-la."
Sartori não falou mais nada, mas, nos bastidores, pessoas próximas relatam mal-estar em relação às alfinetadas vindas do Judiciário e temem que as relações, que já estavam conturbadas no fim de 2015, fiquem ainda piores. Nos bastidores do TJ, a sensação de tensionamento é a mesma.
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A proposta de Difini também dividiu entidades e especialistas. Na avaliação do especialista em finanças públicas Darcy Carvalho dos Santos, a sugestão é incompatível com a realidade dos cofres estaduais.
– Esses recursos não são do Estado e, por isso, não poderiam nem ter sido usados. Só o governo passado usou quase R$ 6 bilhões, criando despesas novas. Tudo isso foi feito com a complacência do TJ. Querer devolução agora é desconhecer a enorme crise estadual – argumentou Santos.
Conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ex-presidente da OAB-RS, Marcelo Bertoluci elogiou a iniciativa. Segundo ele, a proposta converge com a ação direta de inconstitucionalidade movida pelo órgão em 2013 contra o Estado. Bertoluci disse que a crise financeira não deve ser usada como desculpa para protelar a devolução do dinheiro de origem privada.
– O Poder Executivo não pode mais se financiar às custas de recursos que pertencem aos cidadãos. Ou age de forma responsável ou a Constituição vai continuar sendo rasgada – afirmou o conselheiro.