Todos os dias, uma massagista subia ao terceiro andar do prédio da Avenida Portugal, em Porto Alegre, onde funcionava o comitê à reeleição do então governador Antônio Britto (PMDB), em 1998. O ambiente estava tenso naqueles dias, e a sensação de derrota iminente levou o candidato a varar madrugadas no bunker, cochilando em um sofá durante quase todo o segundo turno.
A sessão de relaxamento, contudo, não era para Britto, mas sim para o marqueteiro de sua campanha, João Santana, hoje hóspede da carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
Preso na Operação Lava-Jato, acusado de receber no Exterior US$ 7,5 milhões desviados da Petrobras, ao desembarcar na Capital Santana ainda não era o badalado mago eleitoral que se tornaria na década seguinte. Aos 45 anos, havia sido designado pelo sócio, o publicitário Duda Mendonça, este sim já um renomado marqueteiro.
Santana chegou à cidade com a sétima mulher, Mônica Moura, e uma equipe de produtores e roteiristas. Pouco conversava com os mandarins do PMDB e desdenhava qualquer sugestão. Após uma vitória apertada no primeiro turno, o marqueteiro chamou Britto e apresentou sua proposta para abrir a segunda fase da campanha. O vídeo exibia um colono reclamando apoio, um jovem clamando por emprego, um desempregado queixando-se das privatizações - críticas expostas diariamente na propaganda do rival, o petista Olívio Dutra. Santana argumentou que era hora de "assumir alguns problemas do governo" e prometer mudanças no segundo mandato. Contrariado, Britto levantou-se e interpelou o marqueteiro:
- Desse jeito, vou entrar no segundo turno com mãos ao alto, como se já estivesse derrotado. É isso, João Santana?
Leia mais:
Decisão do STF é celebrada por juízes, mas atacada por advogados
PF pede prorrogação da prisão de marqueteiro do PT e esposa
Mulher de João Santana confessa à PF conta não declarada
A partir daquele momento houve uma intervenção branca na campanha, com o então secretário da Fazenda, Cézar Busatto, e dois servidores da confiança de Britto fiscalizando toda a produção dos programas. Na reta final, uma onda de otimismo varreu o comitê. Abertas as urnas, Britto perdeu por 87 mil votos (1,5%).
- Era muito brilhareco, pouca consistência, soluções usadas em outras campanhas, mas que aqui não funcionavam, e programas desconectados do ambiente regional - lembra o jornalista Flávio Dutra, que atuou na campanha.
Com 1m68cm, olhos verdes e a pele trigueira de quem foi criado no sertão baiano, Santana deixou no passado o infortúnio vivido em Porto Alegre. Hoje aos 63 anos, detém uma marca inédita no marketing eleitoral: elegeu sete presidentes da República. A política tornou-o rico. Somente do PT, para quem elegeu o ex-presidente Lula (2006) e a presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014), as empresas de Santana receberam R$ 193 milhões entre 2004 e 2015.
Amizade com Lula começou em 2002
Santana fez amizade com Lula em 2002, durante os preparativos para a eleição. À época ele ainda trabalhava com Duda Mendonça, e o publicitário não queria que o petista disputasse a Presidência, após três derrotas consecutivas. Duda considerava Tarso Genro ou Eduardo Suplicy mais competitivos. Com pesquisas de opinião em punho, Santana sustentou diante do sócio que Lula tinha mais chances.
Pouco depois, no início da campanha, Duda e Santana desfizeram a sociedade. O candidato ficou chateado e, na despedida, presenteou o marqueteiro com um comprimido de Viagra, que ele jura não ter usado. Reaproximaram-se na crise do mensalão. Depois da queda de Duda, abatido ao confessar ter recebido dinheiro de caixa 2 do PT em conta no Exterior, Santana revigorou a combalida imagem do PT e conduziu a campanha à reeleição de Lula. No governo Dilma, a influência e a assiduidade com que frequentava o Palácio do Planalto valeu-lhe a alcunha de "ministro".
Santana nasceu em Tucano, cidade baiana de 55 mil habitantes. O avô lutou contra os cangaceiros de Lampião, e o pai foi prefeito e dono de cartórios. O garoto aprendeu a escrever nas máquinas de datilografia dos tabelionatos. Aos oito anos, foi enviado para estudar em um colégio interno de Salvador. Na capital, ingressou na faculdade de jornalismo e virou hippie. Vestia calças boca-de-sino, usava cabelo black power e fumava muita maconha. Sua devoção à contracultura era tamanha que perdeu o parto da primeira filha, Suriá Luirí, fruto de seu casamento com Helena Coutinho, irmã do cartunista Laerte e futura mulher de Raul Seixas. No dia do nascimento - do qual foi avisado por Dedé Gadelha, então casada com Caetano Veloso -, Santana estava em Florianópolis, fazendo uma reportagem de 11 páginas para o jornal alternativo Boca do Inferno, sobre a prisão de Gilberto Gil por porte de um baseado.
- Quando a Suriá nasceu, dei um corte na droga e na cachaça - revelou ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho, autor do livro João Santana - Um Marqueteiro no Poder.
Nessa época, Santana também era letrista da banda de rock Bendegó, com a qual gravou seis discos. É dele pelo menos um sucesso nacional, Um Sinal de Amor e de Perigo, gravado por Diana Pequeno. Logo passou a se dedicar quase exclusivamente ao jornalismo. Cobriu a Guerra das Malvinas, estudou Comunicação e Política em Washington e, de volta ao Brasil, fez a maior reportagem de sua vida em 1992, ao revelar na revista IstoÉ como o motorista Eriberto França usava contas-fantasmas do lobista Paulo César Farias, o PC, para pagar despesas pessoais do então presidente Fernando Collor. O furo jornalístico foi decisivo para o impeachment do alagoano.
Vinte e quatro anos depois, a suspeita de que dinheiro de caixa 2 eleitoral do PT tenha abastecido contas não declaradas no Exterior pode ter desfecho semelhante. Seu protagonismo, contudo, teve o sinal trocado. Se antes foi celebrado como herói, agora corre o risco de se tornar vilão.