Quando a morte do procurador argentino Alberto Nisman completa um ano, a aparência é de que as investigações se intensificaram de verdade somente no último mês. Desde 10 de dezembro, quando o então oposicionista Mauricio Macri tomou posse no lugar da presidente Cristina Kirchner, acumulam-se medidas que tendem a dar novos rumos às apurações da polícia e do Ministério Público sobre o episódio. Na ocasião, o corpo do procurador apareceu, no banheiro do seu apartamento, com uma bala na cabeça.
A primeira determinação de Macri foi a escolha de Patricia Bullrich para ser sua ministra da Segurança. Do núcleo duro macrista, Patricia estava cotada para ser a líder da bancada governista. O "Caso Nisman", porém, pesou na indicação da mulher que, além de ser uma das deputadas mais fiéis ao presidente, integrou comissões sobre o tema.
- Vamos aprofundar as investigações do "Caso Nisman". A família dele diz que há muitas provas que não foram apuradas. Não vamos deixar nada de lado - disse a própria Patricia para Zero Hora em 21 de novembro, na véspera da eleição de Macri.
Por que Patricia é tão importante no caso? Porque, como deputada, foi ela a política que mais se empenhou na defesa de uma investigação profunda. Era a ela, ainda, que a família de Nisman recorria sempre que necessário. Também vinha dela um interesse especial em desvendar outro mistério aparentemente insolúvel: a forma como se deu o atentado terrorista contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) em 1994, que resultou na morte de 85 pessoas. Tal ataque se somou a outro, ocorrido dois anos antes na embaixada de Israel, com 29 mortos. No total, portanto, 114 vítimas do terror em Buenos Aires. Por isso, Nisman costuma ser definido como a 115ª dessa onda terrorista.
Nisman foi encontrado morto em 18 de janeiro passado, um dia antes da sessão em que falaria no Congresso argentino sobre suas acusações em relação a Cristina. A principal delas: a então presidente celebrara acordo com o governo iraniano para, em troca de vantagens comerciais, acobertar a participação de suspeitos desse país na ação que levou às explosões dos alvos judaicos - em especial, a da Amia. O procurador era desafeto da presidente e mexia em tema espinhoso. A coincidência de a morte ter ocorrido bem na véspera do depoimento em que detalharia suas provas levou a suspeitas de queima de arquivo. Cristina, em um primeiro impulso, poucas horas após e episódio e ainda sem que estivessem abertas as investigações, falou que estava caracterizado um suicídio. Depois, voltou atrás: sustentou que houvera um homicídio, mas para incriminá-la. Desde então, surgiram provas que sustentam as duas possibilidades - de suicídio ou homicídio. A família de Nisman abriu apuração particular e sustenta a tese de que ele foi morto.
Nova ministra da Segurança argentina disse em vídeo para ZH: quer aprofundar Caso Nisman
Sobre a possibilidade de suicídio em meio ao contexto de disputa com o governo, o jornalista Jorge Lanata, que se tornou adversário do kirchnerismo, cunhou a frase "Por favor, crianças!", dando a entender que seria muita ingenuidade acreditar no suicídio em meio a contexto em que o fato ocorreu e com uma vítima que, aos 51 anos, sem qualquer registro de tendências suicidas, estava na iminência do ápice de sua carreira profissional, não deixara qualquer carta de despedida, fizera lista de compras no supermercado e vinha recebendo ameaças de morte - algumas de teor antissemita (ele era judeu).
Na última sexta-feira, Mauricio Macri aprovou decreto em que determina a "liberação de toda a documentação, arquivo ou informação em poder da Agência Federal de Inteligência (AFI), o Ministério das Relações Exteriores, Direção Nacional de Migrações, Forças Armadas, Forças de Segurança ou qualquer outra dependência" sobre o caso, em um período que se inicia em setembro de 2012 e não tem prazo final. Também, em um prazo máximo de 30 dias, toda a documentação encontrada sobre os atentados e a morte de Nisman terá de ser entregue à juíza Fabiana Palmaghini, que afastou a responsável anterior, a procuradora Viviana Fein, de atuação criticada pela família, e assumiu o caso.
O anúncio do decreto ocorreu em seguida à anulação, também imposta pelo governo, de qualquer sigilo de que eventualmente desfrutem agentes secretos, ex-agentes, funcionários e ex-funcionários da AFI. A medida foi solicitada por Gustavo Arribas, novo diretor da agência. E os primeiros resultados já apareceram: foram identificadas trocas de telefonemas entre agentes nas horas que antecederam a morte de Nisman.
- O governo argentino tem uma dívida com a família de Nisman, com a Amia e com toda a comunidade judaica argentina - disse Arribas.
O Executivo justifica no decreto que a medida é necessária para "agilizar a investigação". "Considera-se conveniente e necessário dispor o relevamento da obrigação de sigilo".
A dúvida que persiste é se houve assassinato, suicídio ou incitação ao suicídio. A ex-mulher de Nisman, a juíza Sandra Arroyo Salgado, e as filhas do casal (que seriam recebidas por Macri na residência oficial de Olivos para encontro que trataria do primeiro ano de aniversário da morte do procurador) sustentam a tese do homicídio.
Outra medida tomada por Macri foi a de criar uma secretaria específica para dar seguimento aos "casos Amia e Nisman". O responsável pelo novo órgão será o ex-senador da província de Chubut Mario Cimadevilla, um dos atuais líderes da tradicional União Cívica Radical (UCR), de perfil social-democrata e aliada do governo. Também foi tomada uma medida de alto simbolismo: o governo desistiu do recurso judicial pelo qual Cristina contestava a inconstitucionalidade do pacto firmado com o Irã em 2013 - com isso, automaticamente, o acordo cai por terra, uma vez que é considerado inconstitucional. Oficialmente, o pacto era uma cooperação bilateral para uma Comissão da Verdade onde os nove suspeitos iranianos seriam interrogados no seu próprio país.