Com uma previsão de déficit de R$ 4,6 bilhões neste ano, o Piratini não garante que terá como reajustar a parcela completiva destinada aos professores que recebem menos do que o piso. O pagamento é feito desde 2012, após acordo entre Ministério Público e o governo estadual, e somou R$ 89 milhões no ano passado.
Cálculos da Secretaria da Fazenda (Sefaz) indicam que o Executivo terá de desembolsar R$ 53,4 milhões a mais, se o Ministério da Educação (MEC) reajustar o piso nacional do magistério em 11,36%, conforme projetado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Além disso, a quantidade de professores beneficiados aumentaria, de 27,6 mil para 32 mil.
- Todo mundo sabe das dificuldades financeiras do Estado. A tentativa vai ser de honrar esse acordo, mas não se tem garantia nem do pagamento integral dos salários. Temos de ver como a receita vai se comportar - afirma o secretário-adjunto de Educação, Luis Antônio Alcoba de Freitas.
Todos os anos, o drama se repete. O MEC anuncia o percentual de reajuste, mas a maioria dos professores estaduais - que têm o menor vencimento básico inicial do país - não vê a diferença no contracheque. É que o Rio Grande do Sul é uma das três unidades da federação que ainda descumprem a lei que instituiu o valor mínimo que os educadores da rede pública devem receber por uma jornada de trabalho de 40 horas semanais.
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No Estado, a correção acaba incidindo apenas sobre o completivo - o qual não repercute no escalonamento de classes e níveis e não serve de base de cálculo para vantagens e benefícios. Pela projeção da CNM, o piso deve passar de R$ 1.917,78 para R$ 2.135,64. O MEC, no entanto, não confirma o percentual, que será divulgado até o final do mês. No Rio Grande do Sul, o salário de um professor em início de carreira, sem contar adicionais, é de R$ 1.260,16.
De acordo com a Sefaz, o Estado acumula um passivo de R$ 13,1 bilhões desde 2011 devido ao descumprimento da lei que instituiu o piso do magistério. E a dívida com os professores tende a crescer ainda mais, pois o Piratini argumenta que, sem apoio do governo federal, não tem condições de cumprir a lei.
Embora haja indicação na lei para que a União complemente as verbas dos entes federativos que não tenham condições de arcar com os custos do pagamento do piso, mediante a comprovação da insuficiência de recursos, na prática isso não ocorre. Questionado pela reportagem, o MEC afirmou que "a União já auxilia Estados e municípios quando realiza repasses para a composição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que é a principal fonte de financiamento da educação básica pública".
Preocupação também nas prefeituras
Segundo Freitas, secretário-adjunto de Educação, os recursos do Fundeb são insuficientes. O ministério ressaltou ainda que, para buscar soluções a respeito do tema, instalou o Fórum Permanente para o Acompanhamento da Atualização Progressiva do Valor do Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica. O objetivo é propor políticas para o piso, articuladas com as carreiras dos Estados e municípios.
Presidente da CNM, Paulo Ziulkoski afirma que o reajuste é motivo de preocupação também entre prefeitos. Segundo ele, a folha do magistério equivale a um quarto dos gastos dos municípios com pessoal. São mais de 1 milhão de professores da rede pública municipal em todo o país, e a previsão de impacto, se o reajuste de 11,36% for confirmado, é de R$ 7 bilhões, sem contar os encargos.
- Os prefeitos não têm de onde tirar dinheiro. A receita caiu muito e o cobertor é curto - lamenta.
A CNM considera elevado o percentual de aumento e também questiona a fórmula de reajuste, que vincula o aumento à variação ocorrida no valor anual mínimo por aluno definido no Fundeb. A entidade e os Estados discordam do índice e calculam que o aumento deveria ser de 7,41%.
Como funciona
O que é o piso salarial do magistério?
É o valor mínimo que os professores da educação básica em início de carreira devem receber na rede pública em todo o país. A norma foi instituída em julho de 2008. Os profissionais devem ter formação em magistério em nível médio e carga horária de trabalho de 40 horas semanais.
Como o valor do piso é definido?
O cálculo é baseado na comparação da previsão do valor aluno-ano do Fundeb - montante que o governo repassa no ano aos municípios e Estados por matrícula de aluno na educação básica - dos dois últimos exercícios. O Ministério da Educação apura o quantitativo de matrículas, e o Tesouro estima as receitas que compõem o fundo e define o índice de reajuste.
O que acontece com Estado ou município que não paga o piso?
A Lei 11.738, que trata do piso salarial nacional do magistério, não prevê nenhuma punição expressa para quem descumprir a norma. Por isso, muitos Estados e municípios, por dificuldades diversas, ainda não pagam o piso salarial, o que tem gerado passivo judicial.
O governo federal tem responsabilidade junto a Estados e municípios para pagamento do piso?
Sim. No artigo 4º da Lei 11.738, há a indicação para que a União complemente as verbas dos entes federativos que não tenham condições de arcar com os custos do pagamento do piso nacional do magistério, mediante a comprovação da insuficiência de recursos. Mas, na prática, isso não ocorre.
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Greve e até ocupação de escolas, a exemplo do que ocorreu em São Paulo, são ações que estão no radar do Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (Cpers) para 2016. De acordo com o vice-presidente Luiz Veronezi, o sindicato, que tem 83 mil filiados, avalia estratégias para protestar não só contra o descumprimento da lei do piso, mas também pelo risco de novos parcelamentos de salários e em razão da aprovação de projetos considerados prejudiciais ao funcionalismo público.
- A relação do funcionalismo com o governo José Ivo Sartori está de mal a pior. O tensionamento vai desde atrasar salários até a retirada de direitos, e isso não tem precedentes na história de 70 anos de Cpers. Fizemos inúmeras reuniões, com tentativa de diálogo, e não teve nenhum resultado - afirma Veronezi.
As ações deverão ser decididas em uma reunião ainda neste mês. Há possibilidade de as aulas na rede pública estadual não serem retomadas no dia 28 de fevereiro, como o previsto. No ano passado, devido ao parcelamento de salários, os professores fizeram greve de duas semanas no Rio Grande do Sul. A presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer, ressalta que ainda não há definição e que as iniciativas serão decididas junto com a categoria.
- Não fazemos greve por decreto, pois a vida já provou que isso não dá resultado - disse Helenir.
Conforme a dirigente do Cpers, os professores gaúchos ganham, em média, cerca de 30% do que deveriam receber se fosse aplicado o piso em todos os níveis de carreira. A consequência do que ela classifica de "significativo arrocho salarial" é que, segundo Helenir, bons profissionais estão pedindo exoneração e "abrindo mão dos seus sonhos para sobreviver".
Rotina puxada de dois empregos
Filha e sobrinha de professoras, Samanta Torres da Silveira, 38 anos, encontra no amor ao ofício de ensinar a motivação necessária para prosseguir, contornando dificuldades. Há 14 anos, não sabe o que é almoçar sem pressa durante a semana. Devido à baixa remuneração, sempre se dividiu entre dois empregos. A rotina já foi mais exaustiva - chegou a fazer a refeição na sala de aula. Hoje, tem meia hora para almoçar em casa, antes de pegar o carro e dirigir 15 quilômetros para cumprir o segundo turno.
Pela manhã, leciona para séries iniciais na Escola Estadual Ministro Salgado Filho, na zona leste de Porto Alegre, e, à tarde, dá aulas de espanhol na Escola Municipal Emília de Oliveira, em Alvorada, na Região Metropolitana. Quando Samanta chega em casa, além dos afazeres domésticos e das atividades extraclasse, precisa deixar pronta a refeição do dia seguinte.
Com os dois contratos de 20 horas cada, a remuneração da professora, que é pós-graduada em língua estrangeira, chega a R$ 2.090. Do Estado, onde está no nível cinco, o penúltimo da carreira, recebe pouco mais de R$ 1 mil. Se a lei do piso fosse cumprida, calcula que ganharia uns R$ 1,5 mil a mais, o que a permitiria trabalhar em só um local e dedicar mais tempo aos filhos Henrique, 11 anos, e Matheus, nove, que estudam em escola pública.
Casada com um servidor público estadual, Samanta conta que a família cortou gastos e reviu planos em razão do parcelamento dos salários e do 13° dos servidores públicos estaduais no ano passado. As férias na praia foram mais curtas e o IPVA foi parcelado, ao contrário dos anos anteriores.
- Gosto do que faço. Mesmo recebendo pouco, procuro fazer um trabalho qualificado e mostrar para os alunos como o conhecimento é importante - diz Samanta.
O baixo salário não é o único fator de desmotivação entre os professores. Atrasos em repasses de verbas dos governos estadual e federal levaram a escola onde Samanta leciona na Capital a fazer campanha, no ano passado, para arrecadar alimentos, materiais de expediente e produtos de limpeza. Em postagem no grupo que reúne moradores do bairro Jardim Ypu, no Facebook, a diretora Daisy Tadewald relatou as dificuldades enfrentadas pelo estabelecimento de ensino, que atende 450 alunos de seis a 17 anos.
Os moradores fizeram doações, compensando a falta de repasse, por parte do Piratini, dos recursos para manutenção. O ano terminou sem a escola receber os valores referentes a novembro e dezembro. Daisy conta que, em razão do número restrito de servidores, os professores acabam limpando banheiro e salas de aula.
- Vejo os professores muito desmotivados, pois investem no currículo, estudam e acabam não tendo retorno. Então, o pessoal se abala. A gente vê até professor comprando material com seu próprio dinheiro - lamenta Daisy.