O Rio Grande do Sul pode se preparar para um 2016 muito melhor que 2015 no campo do combate à criminalidade. É o que promete o secretário da Segurança Pública, Wantuir Jacini, gaúcho que fez carreira longe do Rio Grande do Sul. Entre os planos, está e o isolamento cada vez maior dos líderes do crime organizado. Ele também quer ajuda das guardas municipais para prender criminosos.
- Elas são como polícias municipais, têm poder de polícia e precisam estar preparadas para isso - justifica.
Jacini acorda às 5h30min para atualizar as mensagens no WhatsApp, ler jornais e fazer uma hora de ginástica. Acha que está preguiçoso: levantava às 4h30min quando era secretário da Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, função que ocupou até um ano atrás. Trabalha da madrugada até a noite seguinte, até porque a família (mulher e dois filhos) não veio de muda para o Rio Grande.
Jacini foi militar e depois atuou 40 anos como policial federal. Permanece com o lema dessas duas profissões - "corpo são e mente sã". Os postos-chave sob seu comando são preenchidos entre coronéis da BM e delegados da Polícia Civil, que trabalham juntos para evitar rivalidades.
Nesta entrevista, Jacini fala da violência no Estado, faz um balanço da vida e dos projetos que pretende implementar.
O senhor é de São Gabriel. Quando saiu de lá?
Aos 14 anos. Vim para Porto Alegre e, aos 16 anos, me alistei no Exército. Fui designado para a Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro e lá, após deixar as Forças Armadas, prestei concurso para a Polícia Federal. Desde jovem queria ser policial ou militar, acabei sendo as duas coisas. Queria aventura. Conheci um agente antigo da PF no Rio que me contava "causos" da profissão. Fiquei fascinado e entrei para a corporação. Fiquei no Rio como agente, depois prestei concurso para delegado. Morei oito anos no Rio, mais de uma dezena de anos em Mato Grosso do Sul (em quatro diferentes ocasiões), seis anos em Brasília. No Rio Grande do Sul, tive apenas uma breve passagem por Bagé, em 1984.
Quando o senhor começou como policial o Brasil vivia uma ditadura militar. O senhor trabalhou com política, vigiando opositores do regime?
Não. Trabalhei muito com índio, em Mato Grosso. Questões fundiárias, garimpo, tráfico de drogas. Nunca com política, sempre com crimes comuns.
Vínculo com o RS - Jacini, ue foi secretário de Segurança do Mato Grosso do Sul nos dois mandatos de André Puccinelli (2007-2014), sempre cultivou as raízes gaúchas (Foto: Arquivo pessoal)
Têm sido cada vez mais comum protestos que trancam a livre circulação de veículos e pedestres. Como o senhor pensa que deve ser a atuação dos órgãos de segurança nestes casos?
Não é de hoje isso. Parece que é uma cultura de que a manifestação pode acontecer em detrimento do direito de ir e vir. Junto com o direito de ir e vir, tem outros direitos: o de trabalhar, de ir à escola, de ir ao hospital, ao médico. Todos esses direitos ficam cerceados pelo direito de manifestação. Quando ocorreu essa última manifestação que trancou tudo - há duas semanas, na Avenida da Legalidade -, o prefeito se reuniu com o procurador-geral de Justiça e concordamos em fazer uma reunião para tratar disso. Concordamos que o direito de manifestação não pode se sobrepor ao de ir e vir. Em nova reunião com todos os integrantes do Gabinete de Gestão Integrada, decidimos fazer protocolo de atuação. Uma minuta foi para todos os participantes do gabinete analisarem. É um regramento para atuarmos nas manifestações. O protocolo vai dizer o que cada órgão fará, a EPTC, a Brigada Militar. Uma possibilidade é fazer a manifestação em determinado local, praça, combinado com os manifestantes, que terão de cumprir os protocolos. Outra é que ocupem só uma pista da via.
Mas quando o protesto for de surpresa?
Neste caso, a atuação estará disciplinada. Gostaria que o direito de mobilidade fosse respeitado. Como uma pessoa que quer se manifestar vai fazer isso retirando direito de outras pessoas? Eles perdem a legitimidade.
Outro assunto da rotina do cidadão é o roubo de carro, cujos índices seguem aumentando. A secretaria tem um plano?
Por causa da receptação. Existem no Rio Grande do Sul 230 empresas legais de desmanche. Mas existem mais de 1,5 mil ilegais. Essas serão o foco da lei de desmanches. Estamos preparando decreto de regulamentação. A lei prevê a destinação administrativa das peças irregulares encontradas em desmanches. Tem prazo de defesa, depois, as peças são derretidas, destruídas.
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O que é a peça irregular?
A peça que não tem nota fiscal, não tem origem. Exaurido o prazo de defesa, se não for apresentada nota, a peça é derretida.
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Quando isso estará em pleno funcionamento?
Não vejo a hora desse decreto sair. Quanto mais rápido, melhor. Tenho para mim que vamos poder enfrentar todos esses desmanches que fazem receptação (que revendem peças de carros furtados e roubados). Nos últimos 10 anos, o roubo de carros no Estado vem em curva ascendente.
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Por que Porto Alegre se transformou na Capital nacional do roubo de carros?
A resposta está na Avenida Sertório, ali tem 36 desmanches irregulares. Também em Canoas, Sapucaia, Esteio, Alvorada...
O Estado tem capacidade de colocar a lei em prática, de fiscalizar os desmanches?
Não precisa muita coisa. A fiscalização administrativa é do Detran. A segurança pública vai dar apoio. Podem ir dois, três fiscais do Detran e mando um batalhão para apoiar. Tenho para mim que 2016 vai ser um ano muito bom, pois, regulamentando a lei e fazendo as operações, vamos reduzir o número de roubos de veículos.
Por que os homicídios têm aumentado?
O tráfico de drogas e o uso de drogas têm os crimes conexos: homicídios, furtos e roubos. As quadrilhas, para defender a atividade ilícita e o território, se digladiam. Exemplo são duas lideranças que morreram este ano (Xandi e Teréu). Em muitos homicídios, as vítimas têm antecedentes. O uso de drogas também é motivo para esse aumento.
E a questão das armas? Tem sido comum a apreensão de fuzis. Há mais armas nas ruas?
O número de guerras diminuiu, mas os países produtores de armas continuam produzindo. Essas armas vão sendo vendidas para todos os países. O Brasil faz fronteira com 12 países, fronteira seca de mais de 16 mil quilômetros e mais de 760 cidades. Existem acordos (que tratam do controle da venda de armas) internacionais que não são cumpridos.
É preciso haver mais barreiras?
Desde novembro está atuando a força tática da Brigada Militar. A Brigada tem os efetivos para policiar as áreas. As unidades que são reserva técnica fazem o recobrimento. A inteligência policial indica onde há mais incidência de roubos, homicídios, e a força tática vai e atua de forma itinerante. Não fica parada em uma barreira 24 horas.
Que outras ações estão sendo planejadas?
Temos 136 municípios com guarda municipal (na verdade, são 26), videomonitoramento e órgão de trânsito. Todos atuando de forma isolada. Estamos renovando os convênios com esses municípios com uma cláusula: que precisamos fazer a integração entre os municípios e dos municípios com a secretaria, para formar um sistema de segurança pública municipal. Em 2013, as guardas municipais foram transformadas em polícias, mas continuam agindo como guardas patrimoniais.
O senhor é a favor de que os guardas municipais atuem como polícia?
Com certeza. Eles são polícia e precisam ser preparados para isso, precisam agir como polícia. Vamos estimular que se capacitem para fazer parte de um sistema integrado de segurança pública. Já fiz reunião com secretários de segurança dos municípios. Estamos construindo isso.
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O videomonitoramento que o senhor fala são as câmeras de prefeituras?
Sim, queremos que se integrem ao nosso sistema. Tem municípios com guardas municipais muito fortes, mas que não atuam ainda como polícia. Nós vamos estimular, capacitar, oferecer cursos. Um exemplo: a cidade A tem câmeras e um carro é roubado lá. O ladrão vai para a cidade B e passa pelas câmeras, mas lá ninguém sabe que o carro é roubado. Temos que ter um sistema para isso, roubou o carro, entra no sistema.
O senhor prevê aumento dos efetivos policiais em 2016?
Estou encaminhando ofício ao governo para o chamamento de todos os policiais concursados.
O senhor está com dinheiro então?
Não tenho. Mas quero ver se vendem algo da administração indireta, que presta serviço que não se sabe muito o que é.
Em setembro, foi aprovado projeto para chamar policiais inativos. Já teve resultado?
Vamos usar dentro desse sistema novo que está sendo construído. Para o videomonitoramento temos que ter policiais experientes que não podem estar na rua, mas têm experiência de 30 anos. Vão ficar analisando os cenários em um monitor. Nos convênios com municípios, estamos colocando essa cláusula também. Os municípios podem contratar esses policiais.
Este ano houve episódios atípicos de violência na Capital. Dez ônibus e dois lotações foram queimados. Qual sua avaliação?
Isso começou em Rio, São Paulo, Paraná, Santa Catarina. Não tinha no Rio Grande do Sul, chegou. É uma prática mais ou menos comum.
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A população tem que se acostumar com episódios assim?
De jeito algum. Em todos esses casos nós prendemos os autores.
O debate em torno da Força Nacional tem sido frequente. O senhor até admitiu chamá-la para atuar em presídios. O senhor não cogita para o policiamento de rua?
Não, a Brigada Militar nunca parou. Teve uma unidade ou outra que se aquartelou (não saiu para trabalhar), mas foi pontual. Foi resolvido. A BM está sempre trabalhando. Se em algum presídio ocorresse motim e a Brigada não desse conta, eu chamaria a Força Nacional na hora.
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Por mais de uma vez o prefeito José Fortunati cobrou melhorias na segurança e o uso da Força Nacional. Como é sua relação com a prefeitura?
É boa. Disse esses dias: a mão tem cinco dedos, todos no mesmo lugar, cada um de tamanho diferente e função diferente. Assim eu vejo a prefeitura. Ela representa o poder municipal, é a maior autoridade e tem a opinião dela.
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Mas o senhor e o prefeito têm conversado?
Sim, tivemos reuniões até por iniciativa dele.
O prefeito está disposto a usar a guarda municipal?
Não perguntei isso para ele.
Mas e o sistema municipal de segurança que o senhor está propondo?
Ele está disposto a participar de todo o sistema, expliquei tudo a ele, e ele concordou com tudo. Monitoramos em torno de 700 câmeras no DCCI (Departamento de Comando e Controle Integrado), temos capacidade para 2,1 mil. Por isso, quero trazer mais câmeras para cá.
Qual a previsão de abertura de vagas em presídios?
Temos um presídio pronto em Canoas. Estamos adequando a funcionalidade dele. Temos efetivo para o presídio 1, com 400 vagas. Se a funcionalidade estivesse pronta, a gente podia inaugurar hoje.
Que funcionalidade falta?
Lavanderia, tipo de sapato e roupas. Bloqueador de celular, que vamos alugar.
Hoje não há outros presídios aqui com bloqueador de celular. Será o primeiro?
Sim, estamos tentando alugar.
Para quando é a previsão de estar funcionando o presídio de Canoas?
Até fevereiro.
Além do presídio de Canoas, o senhor prevê abrir outras vagas?
Quero concluir os outros três de Canoas (2,4 mil vagas), mais o presídio de Guaíba (600 vagas). Temos mais quatro presídios que tínhamos perdido o dinheiro do governo federal e conseguimos recuperar. Estamos correndo atrás das obras: Alegrete, Passo Fundo e dois em Rio Grande, um feminino e um masculino.
O senhor está falando em nomeações de policiais e em obras, como se tudo estivesse maravilhoso. O senhor conseguirá tudo isso mesmo com o contingenciamento de recursos?
Maravilhoso, não. Tenho que pedir, tenho que dizer que tenho um presídio e preciso de gente, digo "só depende de vocês, tratem de cortar essa administração indireta aí".
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É a segunda vez que o senhor cita a administração indireta. Qual sua ideia?
Não quero falar pelo secretário da Fazenda. Acho que a administração indireta é muito grande e presta um serviço que precisa ter sua qualidade analisada. Enquanto a administração direta, que é a saúde, a educação e a segurança, não tem os recursos que deveria ter. Das atividades típicas de Estado, a segurança é aquela que não tem orçamento da União. Isso gera descontinuidade nas políticas de segurança pública dos Estados.
Em novembro, houve operação policial tendo como um dos alvos o assaltante José Carlos dos Santos, o Seco, que está recolhido na prisão que deveria ser de segurança máxima. Ele tratava de negócios diversos de dentro da cela com celular. O que fazer para coibir casos assim?
Esses celulares entram por tudo que é lado, por cima do muro, por baixo do muro, pela porta da frente, dos fundos, entra na visita, entra com passarinho (pombo). E a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) está superada, não é mais de alta segurança.
Esses celulares entram com a ajuda de algum servidor?
Sim, quando digo que entra pela porta da frente. Esse ano, fizemos muito mais revistas. O que se apreende de celular é um espanto. Em 2015 fizemos umas 60 revistas a mais. Apreende, volta dali um mês, apreende de novo.
Mas o que fazer então? Não parece desanimador.
Não é. Serve de incentivo. Eu digo: se neste ano fizemos 300 revistas, ano que vem tem de ser 400.
Então vão tirar o celular do Seco, mas como impedir que presos assim sigam articulando crimes?
Antes de isolar esses aí, que não botam a mão na massa e estão presos, tenho de isolar outros que estão praticando crimes.
O que a população pode esperar na segurança em 2016 além do plano de segurança municipal e das novas operações nos desmanches para reduzir roubo de carros?
Muito trabalho.
Trajetória - Secretário ingressou na carreira policial em 1976, chegando ao cargo de delegado da PF. Na foto, em evento da Brigada, em Santa Maria, ao lado da mulher, Valéria (Foto: Germano Rorato, BD, 06/11/2015)
Como é sua rotina de trabalho?
Trabalho 25 horas por dia e acho pouco. Eu tinha que fazer mais. Ontem (segunda-feira passada) trabalhei até as 2h no celular.
Que horas o senhor chega na secretaria?
Cedo. Vou na academia primeiro, quase todos os dias. Levanto cedo, a gurizada não me acompanha. Brinco que vou fazer o TAF, o Teste de Aptidão Física, do Exército. Não o de oficial e sargento, que acho fácil, mas o de soldado.
Está sempre com celular?
Vinte e quatro horas, com dois celulares. Tenho uma rede de inteligência com WhatsApp. Recebo 250 mensagens por dia desta rede e respondo a todas. Se tem problema em algum setor, peço: "Informação". Já nem escrevo informação, só "info".
Em que bairro o senhor mora?
No Moinhos de Vento. Gosto muito.
Como o senhor vê a cidade, o Estado, um ano depois de ter assumido?
Os índices de criminalidade reduziram ou igualaram, o único que não conseguimos reduzir foi o roubo de carros. Enquanto não enfrentar a receptação com vigor, os índices vão estar subindo.
Que nota o senhor dá para sua pasta?
Não dou. Deixo que a imprensa, a sociedade dê.
O senhor está confortável com os resultados?
Não. Eu estabeleci metas otimistas, mas não foram atingidas plenamente. Mas houve redução da criminalidade, sim.
Declarações suas geraram polêmica, como quando disse que mães deixavam os filhos na rua ou que a população devia agir e prender criminosos. Por que falou isso?
Falo dentro de um contexto e pinçam uma situação. Mas o que eu abordava (nos dois episódios) era a questão social: desde 1988 as polícias perdem o poder, não podem fazer isso, não podem fazer aquilo. De outro lado, as leis são flexibilizadas. A consequência é o aumento da criminalidade. E quem responde por tudo isso são as polícias. E aí vem o prende e solta. O Legislativo, nenhum poder tem que dar resposta, só as polícias são responsáveis por tudo.
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Como é sua relação com as polícias?
Eu sou policial há mais de 40 anos. Fui dirigente, de alta direção, durante 25 anos. Tenho experiência em gestão. Procuro valorizar e cobrar. Trabalho com metas a serem cumpridas.
Lê jornais antes de ir para academia?
Primeiro o WhatsApp, o que não li na madrugada. Depois, a internet. Leio o El País, La Nación, O Globo, O Estado, a Folha, Zero Hora, Correio, o site da RBS. E leio um de esporte que gosto muito, o Marca, de Madrid. E o Corriere della Sera (Itália).
Qual seu principal desafio para 2016?
Reduzir a criminalidade naqueles crimes que impactam a sociedade, contra a vida e o patrimônio.