O som das serras e ferramentas que vinha do deque inferior da velha corveta não lembrava exatamente o do hino folk If I Had a Hammer, que há algumas gerações ajudou a inspirar os jovens a se envolverem nos movimentos pelos direitos civis.
Mas um dos autores da canção, Pete Seeger, que morreu em 2014, certamente ficaria feliz com o som: a construção era parte da realização de outro de seus sonhos, um planeta mais limpo.
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Desde junho de 1969, Seeger usou a corveta, um barco de 32 metros que ele chamou de Clearwater, para defender a limpeza do Rio Hudson, que estava destruído pelo esgoto e o lixo industrial que era atirado nele há décadas.
A embarcação é uma sala de aula flutuante e uma plataforma para informar sobre questões ambientais. Este ano, os trabalhadores do Clearwater devem terminar a última parte da restauração, que custou quase dois milhões de dólares e foi a maior de sua história.
- Estamos mantendo seu legado vivo - afirmou Annika Savio, de 30 anos, uma das duas capitãs do Clearwater, referindo-se a Seeger. - Essa restauração significa que podemos continuar levando nossa mensagem para as pessoas ao longo do rio. Sem ela, não poderíamos mais navegar.
O Clearwater é uma réplica das corvetas que navegavam o Hudson em meados do século XVIII, fornecendo um transporte fluvial confiável entre Nova York e Albany. Em seu auge, centenas de corvetas navegavam o rio, mas no século XX elas haviam sido substituídas por vapores e estradas de ferro. Os barcos restantes ficaram apodrecendo nas margens do rio.
A restauração da corveta representa um esforço para preservar uma parte famosa da história do Hudson. Para todos os envolvidos - capitães, tripulantes e trabalhadores -, há muito mais em jogo do que uma mera restauração.
- O que diferencia o Clearwater dos outros é a paixão que tenho por sua missão - afirmou James Kricker, mestre de obras do projeto e diretor da Riverport Wooden Boat School. Com 54 toneladas, o Clearwater foi trazido ao Museu Marítimo do Rio Hudson à bordo de uma barca depois de ser tirado da água em Albany há alguns meses.
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Os trabalhadores estão substituindo a madeira do casco que fica sob a água, bem como sua estrutura, as vigas que partem da sobrequilha e forma a espinha dorsal do navio. A estrutura exposta se parece com o esqueleto de uma baleia.
A popa e a proa da corveta foram substituídas em projetos de restauração anteriores, então o trabalho atual se concentra na parte central da embarcação. Cerca de metade do custo da restauração veio de fundos do Estado; o restante do dinheiro veio de doações particulares e da arrecadação de verbas feita pela ONG que opera o Clearwater.
Mais de 12 mil pessoas viajam todos os anos a bordo do Clearwater entre os inúmeros portos que ficam entre Nova York e Albany. Entre os diversos passageiros estão estudantes carentes do Brooklyn e adultos comprometidos com a defesa dos ideias ambientais defendidos por Seeger.
Aleythea Dolstad, de 29 anos, a outra capitã do Clearwater, aprendeu a navegar no Estreito de Puget, no estado de Washington, e veio de Seattle para se juntar à tripulação do navio.
- Eu me tornei capitã porque gosto do barco e quero que ele continue na água. Quero que isso dê certo - afirmou.
O Clearwater foi usado em diversas campanhas ambientais ao longo de sua história, incluindo uma em 1972 em apoio à Lei Federal das Águas Limpas. O barco também fez parte da iniciativa que resultou em um projeto da General Electric financiado pelo governo federal para remover um tipo de substância química orgânica conhecida como PCB, cuja fabricação foi proibida em 1979, de mais de 60 quilômetros do alto Hudson.
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Recentemente, adolescentes de Uummannaq, na Groenlândia, vieram acompanhar a restauração do Clearwater, a mais recente de uma série de visitas que começou em 2009. A cidade de 1,3 mil pessoas fica na pequena ilha 483 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico.
- Começamos a lidar com o aquecimento global muito antes dessas questões entrarem em voga - afirmou Ann Andreasen, diretora da Casa das Crianças, em Uummannaq, que atende crianças carentes. - A terra está começando a aparecer porque o gelo não para de derreter. É muito importante ter consciência do que acontece. O trabalho que o Clearwater faz é fabuloso e tem um enorme impacto sobre os jovens.
Por causa do trabalho que está sendo realizado no Clearwater, os adolescentes puderam ver partes do navio que geralmente ficam escondidas, tais como o enorme leme de madeira.
- Ver as partes escondidas é uma experiência sensacional na corveta - afirmou Savio.
Os trabalhadores que estão no navio correm para terminar a restauração a tempo da temporada de navegação.
Eles estão usado pranchas de carvalho branco para o novo casco e a madeira vem de diversos lugares, incluindo a Carolina do Norte e uma propriedade no Vale do Hudson. Mas antes de tirar a madeira, os trabalhadores precisaram retirar mais de 13 toneladas de lastro, que foi armazenado às margens do rio.
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A restauração foi dividida em fases para que a embarcação não ficasse o ano todo fora da água e interrompesse sua missão de trabalhar com grupos de crianças e divulgar mensagens ambientalistas.
Entretanto, a temporada de navegação é fundamental porque ajuda a gerar renda. Entre os salários das capitãs e da tripulação, as refeições, o combustível e as tarifas portuárias, as jornadas do Clearwater custam cerca de US$300 mil ao ano.
- Pete Seeger sempre deixou claro que o barco não era dele. Ele pertence ao povo. Nós somos o povo e estamos determinados a mantê-lo em boas condições - afirmou Dolstad.