Apontado em investigação do Ministério Público como o responsável por recolher dinheiro de servidores para entregar ao deputado Mário Jardel (PSD), Roger Antônio Foresta confirma as suspeitas de irregularidades apuradas na Operação Gol Contra.
Em conversa de cerca de uma hora e meia com Zero Hora, acompanhado de seu advogado, Giulio Perillo, o ex-chefe de gabinete de Jardel admitiu que recolhia cerca de R$ 17 mil mensais de colegas de gabinete para entregar ao deputado. Também falou de fraudes em indenização veicular e em diárias. Segundo ele, as exigências seriam feitas pelo próprio deputado.
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Roger já prestou depoimento ao MP, admitindo as fraudes e os desvios investigados. Ele conta que conheceu Jardel em 2013, quando trabalhava no Departamento Consular do Grêmio.
Depois de atuar na campanha política de Jardel, foi contratado para atuar no gabinete parlamentar como motorista e, depois, como chefe de gabinete, função que exercia até o dia da operação do MP. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora - Havia irregularidades no gabinete, exigência de valores por parte do deputado Mário Jardel?
Assumi no começo de abril e tudo transcorria normal.
ZH - Quando começaram?
Logo no primeiro mês. As exigências começaram um pouco antes de a gente receber.
ZH - Como as exigências eram feitas?
O deputado se reuniu com a gente (quatro servidores que haviam permanecido depois que Jardel exonerou todo o gabinete) e disse que tinha de haver um repasse.
ZH - Reunião no gabinete? Para dizer o quê?
No gabinete. Para dizer que a gente precisava dar uma colaboração, que a gente tinha que fazer repasse para ele. Que a gente tinha ficado com funções maiores e que era justo que passasse alguma coisa para ele. E como alguns de nós tínhamos indicado pessoas de nossa confiança, a gente era responsável por esse pessoal e alguns deles teriam de repassar também. No começo a gente não estava se acertando em termos de valores.
ZH - Mas como reagiram? Aceitaram repassar o dinheiro?
A gente tentou até conversar com ele (deputado), mas ele disse "não dá, olha o quanto vocês estão ganhando? Na rua não vão ganhar nunca isso, salários em torno de R$ 10 mil. Não tem como não dar nada para mim". A gente não teve escolha: ou fazia ou caía fora.
ZH - O deputado definiu quanto cada um daria?
Ele nos apertou no sentido "vocês têm que me dar", meio que deixou dito que era para a gente se reunir e decidir quanto dar. A gente pensava "quanto vamos dar? De repente vamos dar metade (do salário de cada um) e não era tudo isso que ele queria". Então a gente resolveu oferecer R$ 10 mil - R$ 2,5 mil de cada um (dos quatro que teriam ouvido a exigência em reunião com o deputado). Ele disse que poderíamos começar assim.
ZH - Mas depois tinha de aumentar com o recolhimento de outras pessoas?
Sim. Tinha colocado duas pessoas de confiança, consegui que só um desse porcentagem, pois os outros estava em situação ruim. Do outro ele pegava R$ 2,7 mil. (Cita nomes de servidores que tinham que repassar valores de salário). O deputado tinha pessoas de confiança dele que repassavam direto para ele.
ZH - A investigação do Ministério Público aponta que o senhor era o responsável por recolher valores e entregar ao deputado. De quantas pessoas o senhor recolhia?
Era de nós quatro e mais três. Dava em torno de R$ 17 mil por mês.
ZH - Como funcionava esse recolhimento?
Cada um que era responsável por ter indicado alguém pegava o dinheiro dessa pessoa e entregava para mim. Fazia o recolhimento de tudo e entregava para o deputado, até por exigência dele, que não queria ninguém entrando na sala para dar dinheiro. Ele dizia "passa só para ti, tu pega".
ZH - O senhor entregava o dinheiro para o deputado no gabinete, em casa, na rua?
A maioria das vezes no gabinete mesmo. Duas ou três vezes foi em casa.
ZH - Em gravação feita pelo MP, outro funcionário (um dos denunciantes junto ao MP) tenta entregar dinheiro direto para o deputado. Por que, se a rotina era o senhor entregar?
Não foi o rotineiro.
ZH - Naquele dia, o senhor tinha conhecimento da investigação do MP?
Não.
ZH - E o que ocorreu então?
Sempre fui eu que recolhi a mando dele (deputado), ele queria sempre concentrar numa pessoa para não dar problema. Naquele dia ele subiu no elevador com o Ricardo (Tafas) e teria dito "neste mês quem vai recolher vai ser tu". Tanto que o Ricardo chegou na hora em que o (cita outro funcionário) estava me dando o dinheiro e disse "subi com o deputado, e ele disse que quem tem que recolher sou eu". Por que a gente não sabe, naquele mês ele resolveu que era o Ricardo.
ZH - O senhor não sabia que estava sendo feita gravação?
Não. Só soube da investigação no dia em que estourou tudo (dia da operação). Ele (deputado) até me chamou naquele dia depois e reclamou: "O outro funcionário esteve aqui e tentou me entregar dinheiro direto, aí tem coisa. Disse que não ia pegar, que era para as camisas".
ZH - Ele desconfiou?
Desconfiou e me chamou a atenção. Expliquei que não estava no gabinete. Tinha ido levar a esposa dele na faculdade.
ZH - O senhor mesmo como chefe de gabinete seguia fazendo serviço de motorista?
Sim, às vezes fazia.
ZH - As pessoas entregavam os valores diretamente em dinheiro?
Sim, sempre em dinheiro.
ZH - Por qual motivo naquele mês o deputado teria mandado outro servidor recolher?
O deputado era muito inconstante, mudava de opinião. Até achamos engraçado, mas não achamos anormal.
ZH - O senhor tinha conhecimento sobre funcionários fantasmas?
Sim, eram quatro (cita nomes).
ZH - O senhor tem participação em eventual fraude em diárias e em indenização veicular?
Nas indenizações veiculares, todo o dinheiro entra numa conta só direto para o deputado. O dinheiro de três carros ia todo para ele. A gente tinha de rodar porque ele queria que a gente fizesse quilometragem para ele ganhar o quilômetro rodado. Ele não admitia que o carro ficasse parado um final de semana.
ZH - Como vocês faziam?
A gente rodava e, na hora de fazer a prestação de contas, a gente sentava e criava alguma coisa para passar na planilha. As indenizações veiculares, nos últimos três meses, eram 90% inventadas, beirando os 100%. A média era R$ 7 mil, R$ 8 mil por mês.
ZH - A fraude em indenização veicular começou desde aquela reunião em que foi pedida parte de salário?
Não, foi acontecendo. A impressão que deu é que alguém buzinava algo para ele. Ele vinha de repente e dizia: "Aquele negócio da indenização agora tem que ser para mim".
ZH - O que acontecia com as diárias?
Ele (deputado) pedia para incluir o nome de algum fantasma na viagem, que daí ele cobrava deles.
ZH - O deputado mesmo pedia isso?
Sim. Tipo: nesta semana vamos para tal lugar. Ele dizia: "Leva o nome da fulana, vou fazer a diária para ela, e ela vai passar o dinheiro para meu irmão, que está desempregado, precisando".
ZH - O deputado falava isso?
Sim, na frente de todo mundo.
ZH - O MP fez buscas na sua casa na Operação Gol Contra. Quando o senhor prestou depoimento, admitiu tudo isso ao MP?
Sim. Não vou me enrolar por causa dele. Me considero vítima dele. Ou a gente fazia o que ele queria ou ele colocava a gente na rua. Tem gravação de ameaças contra a gente. No dia em que apareceu aquela denúncia (funcionário que pediu demissão e fez carta entregue à Assembleia falando de irregularidades), ele e o Vontobel (Christian Vontobel Miller, advogado e servidor do gabinete) me disseram: ou tu resolve ou vamos botar tudo no teu.
ZH - Por que o senhor começou a fazer gravações?
O (cita funcionário) que gravava. Nessa ameaça ele fez para nós dois. Depois de eu ouvir tudo isso, como vou defendê-lo no MP? Vou contar a verdade.
ZH - Mesmo depois dessas ameaças que o senhor sofreu, não pensou em denunciar as irregularidades?
Pensei em sair, em conversa entre colegas, a maioria de nós ia pedir demissão depois de receber o 13º.
ZH - Havia exigência de parte do 13º salário?
Ele (o deputado) já tinha conversado com o (cita funcionário) que teríamos de ter reunião para decidir os percentuais do 13º (que cada um daria).
ZH - A defesa de Jardel usa o argumento de que houve armação contra o deputado, que havia escutas clandestinas. O senhor admite que gravações eram feitas no gabinete (por parte de servidores). Como o senhor vê essa afirmação de armação?
Não vejo nada de armação. Tudo que a gente fez foi para nos preservar, para ter segurança se ele (deputado) resolvesse botar no de alguém, a gente ter nossa defesa. Todos no gabinete sabiam o que acontecia lá dentro.
ZH - E sobre o aluguel do apartamento da mãe e do irmão do deputado ser pago com recursos de funcionários, o senhor participou?
Participei sim, tive de emprestar meu nome numa das diárias, numa viagem em que não fui, para participar do pagamento. Foram três diárias, quase R$ 1 mil, recebi e entreguei para o (cita funcionário) pagar o boleto. O primeiro mês (do aluguel) ele pagou normal. Depois, ele veio com a história de que nós que tínhamos de pagar.
ZH - E o senhor não pensou em denunciar?
Não. Me acho uma vítima. A gente se obriga a fazer coisas erradas para garantir o emprego. Tu até identificas "está errado", mas tu precisas viver, comer. Mas estávamos todos decididos a sair em dezembro.
ZH - O senhor tinha conhecimento das fraudes?
Sim.
CONTRAPONTOS
O que diz Amadeu Weinmann, advogado do deputado Mário Jardel:
Vou esperar ter conhecimento do teor das declarações dele para depois me manifestar.
O que diz Christian Vontobel Miller:
Nega que tenha pressionado o ex-chefe de gabinete a praticar qualquer ato ilícito. Segundo Vontobel, a responsabilidade pelo que ocorria no local era de Roger:
- É um completo absurdo, jamais falei sobre isso com ele ou com qualquer outra pessoa. Quem respondia pelo gabinete era ele, o chefe era ele. Nunca tive qualquer responsabilidade lá. Meu salário era um dos menores, enquanto ele ganhava o maior de todos. É um absurdo, vou entrar com uma ação contra ele.