O Tribunal da Justiça Militar (TJM-RS), com sede em Porto Alegre, apreciou nesta quarta-feira recursos em relação ao julgamento, em primeira instância, de três bombeiros _ dois que atuavam em Santa Maria na época do incêndio da boate Kiss e um que já estava aposentado. Ocorrido em 27 de janeiro de 2013, essa foi a maior tragédia da história gaúcha e deixou 242 mortos.
Dois oficiais que já tinham sido condenados, o tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs e o capitão Alex da Rocha Camillo, tiveram a pena agravada. Fuchs, anteriormente sentenciado a um ano de prisão, recebeu agora sentença de quatro anos e cinco meses de prisão. Camillo passou de um ano para dois anos de reclusão. Já um terceiro réu, o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano - que havia sido absolvido - foi condenado agora, nesse segundo julgamento, a dois anos e seis meses de reclusão.
Pelo fato das penas serem superiores a dois anos, os condenados podem perder a função profissional. Os oficiais podem recorrer das condenações, porque foi um julgamento difícil: estava empatado em quatro a quatro e foi preciso o voto de minerva do presidente do tribunal, Sérgio Berni de Brum (a favor da condenação), para definir o veredito.
Os recursos apreciados nesta quarta-feira eram referentes a um julgamento que ocorreu em junho deste ano. Na época, os três militares - Fuchs, Camillo e Adriano - foram julgados em primeira instância, pela Justiça Militar. Conforme a acusação, Moisés Fuchs autorizou o alvará de funcionamento da boate (mediante declaração que não corresponde à verdade) e não aplicou as sanções que deveria a um sargento, subordinado seu, que era gerente da empresa Hidramix e fez obras dentro da Kiss (algo proibido para bombeiros).
A inserção de declaração falsa no documento da casa noturna (a permissão para que funcionasse) também é atribuída a Daniel da Silva Adriano, que assinou o primeiro alvará dos bombeiros para a boate, e a Alex da Rocha Camillo, responsável pelo segundo alvará. Conforme a acusação, Adriano e Camillo deixaram a danceteria funcionar, sem que ela tivesse saída de emergência, central de gás e mesmo tendo janelas de banheiros bloqueadas (para evitar ruído). Tudo isso acabou se revelando mortífero, na noite do incêndio.
Fuchs e Camilo foram condenados, em junho, à prisão por inserção de declaração falsa ou diversa da que deveria ser feita (assinatura e emissão do segundo alvará que liberava a Kiss para funcionamento, sem que a danceteria fosse segura). Camillo foi sentenciado a um ano de prisão e Fuchs a um ano e meio de prisão - ele também foi condenado por prevaricação (teria deixado que funcionário público sob seu comando cometesse crime na função), mas essa parte da pena foi suspensa. Os dois estão soltos, apelando em liberdade contra as sentenças.
Já o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano, que também respondia por declaração falsa (ele deu o primeiro alvará de funcionamento da Kiss), foi absolvido no primeiro julgamento. Isso porque já estava na reserva (não teria cometido crime militar) e teria seguido orientação do comando no sentido de liberar a boate, mediante aplicação do SIGPI (Sistema Integrado de Gestão de Prevenção de Incêndio), uma espécie simplificada de procedimento.
O Ministério Público recorreu com relação à sentença dos oficiais, pedindo penas maiores para Fuchs e Camilo, bem como condenação de Daniel da Silva Adriano. A procuradora de Justiça Maria Inês Franco Santos, na acusação, justificou:
- A Kiss era um pub e virou boate. Só isso exigiria uma vistoria maior, completa, não um procedimento simplificado. Já o tenente-coronel Fuchs fechou os olhos para a empresa de reformas mantida por um bombeiro, algo proibido pelo regulamento - disse ela, ao pedir condenação de Adriano e ampliação de penas dos outros dois oficiais.
A posição do MP foi seguida pela maioria dos juízes, que aumentaram as penas dos réus.
Parentes de pessoas que morreram na Kiss vieram de Santa Maria para acompanhar a sessão. Sérgio da Silva, presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia em Santa Maria, resumiu o sentimento deles:
- Nada contra a função dos bombeiros, mas esses falharam ao deixar a boate aberta. Aquilo era uma arapuca. E as penas aplicadas a eles foram muito baixas. Queremos pelo menos que as penas sejam maiores.
O juiz-relator dos recursos de nesta quinta-feira no TJM-RS foi Amilcar Macedo. Outros três juízes também votaram no caso. A defesa de Fuchs e Camilo foi feita pelo advogado Wesley Alves Filho. Na defesa de Adriano atuou o advogado Luís Carlos Ferreira. Os réus usaram de seu direito e não compareceram ao julgamento dos recursos.