O jornalista e escritor Eric Nepomuceno estava com Chico Buarque quando o cantor foi hostilizado por um grupo de jovens antipetistas na segunda-feira. Eles haviam jantado com os amigos Cacá Diegues, Miguel Faria Jr., Rui Solberg (cineastas) e Edu Lobo (músico) em um restaurante no Leblon, Rio de Janeiro. Todos, menos Edu Lobo, que já havia ido embora, esperavam por táxis quando foram abordados pelos rapazes. Conforme Nepomuceno, eles começaram a gritar coisas como "PT ladrão!" e "Vai para Paris!". Chico Buarque foi rebatendo tranquilamente, rindo e conversando.
- Eles estavam agressivos. É muito chato porque é um negócio gratuito - comentou Nepomuceno.
O escritor ainda relata que Miguel sugeriu que os amigos fossem embora, para o que um dos jovens respondeu algo como "já estão fugindo?".
- Tava falando com o Chico. É desagradável, mas ninguém vai se deprimir por isso. No fim, a gente dá risada - afirmou Nepomuceno.
Nesta quarta-feira, ele escreveu um texto sobre o episódio, publicado na Carta Maior e que circula pelo Facebook. Confira:
"A fúria dos que saíram do armário
O que mais impressiona - e preocupa - na agressão verbal que um grupo de garotões cuja profissão principal é ser filho de pai rico lançou contra Chico Buarque na noite da segunda-feira, 21 de dezembro? Três coisas. Primeiro, a extrema fúria dessa direita desgarrada que acaba de sair do armário embutido. Segundo, a facilidade com que repetem o que dizem os grandes meios de comunicação. E terceiro, a incapacidade para qualquer gesto minimamente civilizado.
Chico saía de um jantar com amigos quando, ao buscar um táxi, passou a ser chamado de petista. Ouviu a repetição de clichês idiotas repetidos à exaustão pelos meios de incomunicação e pelos deformadores de opinião. A um dos garotões ele respondeu com humor. Dizia o valentão que defender o PT quando se mora em Paris é fácil. Você mora em Paris?, perguntou Chico. E o rapaz respondeu: "Não, quem mora em Paris é você!. Chico, então, perguntou: Você andou lendo a Veja?. A ironia continua sendo uma válvula de escape. Mas para ter ironia é preciso inteligência, artigo definitivamente raro na praça.
Não foi a primeira nem a décima agressão verbal que ele e seus amigos ouvem, todas relacionadas ao PT, a Lula e a Dilma. O mais recomendável é, sempre, fazer ouvidos moucos. Mas também essa regra tem suas exceções. O episódio de segunda-feira foi inevitável: Chico estava no meio da rua, é pessoa pública, reconhecível a milhas marítimas de distância.
Mais grave é saber que não foi a primeira nem a decima ocasião, e também não terá sido a última. O país está polarizado como poucas vezes esteve nos últimos 50 ou 60 anos. O grau de agressividade, de furiosa intransigência dessa direita recém-saída de um imenso armário - certamente embutido - é o que mais chama a atenção. E preocupa. Muito. Dizer na cara de alguém Você é um merda pode ter consequências sérias. Chico sabia e sabe que qualquer reação à altura não faria outra coisa que atiçar ainda mais a fúria dessa direita desembestada, fartamente alimentada pela grande imprensa. Até nisso a direita recém assumida em sua verdadeira essência é covarde. Até quando?
O país se acostumou às tristes cenas de violência entre torcidas organizadas no futebol. Elas pelo menos têm a decência de se uniformizar, ou seja, é fácil identificar o adversário à distância.
Essa direita troglodita, não. Ataca à traição. E sabe que figuras públicas como as que foram atacadas à sorrelfa não costumam reagir, para não alimentar a sede mesquinha dos escrevedores de intrigas.
Há poucos registros, que eu me lembre, de alguém que tenha saído do armário com tanta sede de ação. Cuidado com eles: tantas ganas reprimidas, quando subitamente liberadas, desconhecem limites."