- Não sei. Nem quero saber - respondeu um homem, sem interromper o ritmo apertado dos passos para falar sobre o caso da Mega-Sena de Fontoura Xavier.
Ele havia deixado há pouco a lotérica Boa Sorte, no centro do município, do norte do Estado, no fim da tarde da última quinta-feira. Tinha um bilhete em mãos. Naquele dia, o prêmio estava acumulado em R$ 187 milhões. Cinco anos antes, a bolada era de R$ 119 milhões e saiu para uma aposta feita no estabelecimento. Só que, sobre esse prêmio, os fontourenses preferem nem ouvir falar.
Mega-Sena acumula e pode pagar R$ 195 milhões
- É melhor não comentar - diz um rapaz.
- É perigoso - cochicha outro.
Os moradores não apenas se recusam a tocar no assunto. Também evitam explicar a razão do silêncio. O fato de a aposta histórica ter se transformado em disputa judicial cheia de reviravoltas ajuda a entender o motivo.
Ortelino João Nicolau, empresário de São José do Herval, foi o vencedor da bolada, em 2010. Mal pode desfrutar da gorda conta bancária porque, oito meses depois de resgatar o prêmio, foi indiciado pela Polícia Civil por suspeita de fraude. A investigação apontou que a aposta ganhadora teria sido feita por um bolão de funcionários da prefeitura da cidade. Os milhões teriam, então, novos donos.
Só que, por falta de consistência na apuração, o caso acabou arquivado pela Justiça. Enfim, Nicolau respirou aliviado e publicou um desabafo em jornais: "Resisti em razão de estar com minha consciência absolutamente tranquila e de acreditar na Justiça", disse. Mas nem todo mundo se convenceu com o desfecho do caso.
De investigado, Nicolau passou a vítima. Um segundo inquérito concluiu que os funcionários da prefeitura não tinham direito algum sobre o prêmio. Conforme essa tese, tratavam-se de impostores: haviam simulado uma fraude para embolsar o dinheiro.
Em 2013, 12 pessoas (entre as quais o ex-prefeito da cidade José Flávio Godoy e o ex-secretário José Carlos Pinto da Silva) foram denunciadas pelo Ministério Público. Agora, respondem a acusações criminais na Justiça.
Ministério público solicitou análise do IGP
Fosse só isso, já serviria de base para o roteiro de um filme de suspense. Mas o imbróglio ainda não teve fim. Em outubro passado, a defesa de oito dos 12 réus apresentou à Justiça uma perícia particular que reforçaria a tese de que os apostadores do bolão seriam os verdadeiros ganhadores da Mega-Sena milionária.
Perícia particular aponta indícios de fraude no bilhete premiado
Foto: Félix Zucco
O grupo argumenta que o colega responsável por fazer as apostas na lotérica repassou o bilhete premiado a um laranja (que seria o empresário Nicolau).
- Há uma série de irregularidades que não foram sanadas e, até agora, sequer questionadas - diz a advogada do grupo, Aline Pereira de Moura.
Existe a suspeita de que a nova perícia não passa de estratégia de defesa. Na dúvida, o promotor de Justiça responsável pelo caso, Bill Jerônimo Scherer, pediu que o documento seja agora analisado pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP).
- Não se trata de uma possível reviravolta. Os documentos foram apresentados unilateralmente pela defesa e podem, ou não, gerar alguma nova informação para o julgamento do processo - esclarece Scherer.
A defesa de Nicolau não comenta a acusação. Nos cinco anos que se passaram, o milionário reinaugurou um frigorífico na cidade natal, investiu em imóveis em Porto Alegre e se tornou dono de propriedade com plantações de soja e rebanhos de gado em São Lourenço do Sul. Mas tem gente que ainda alimenta a esperança de ver a cor de parte desse dinheiro.
- Se é nosso, é nosso. Se é dele, que faça bom proveito, né? Mas, primeiro, temos que deixar a Justiça decidir - diz o autônomo José Vieira de Vasconcellos, um dos apostadores do tal bolão.
* Zero Hora