Ao tomar assento de bermuda e chinelos no Bar do Tato, mirando o mar de Atlântida, Carlos Marun (PMDB-MS) terá de se explicar. Os amigos de veraneio estão surpresos por vê-lo defender Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Porto-alegrense que migrou para Mato Grosso do Sul há três décadas, o gaúcho de 55 anos elegeu-se deputado e ganhou notoriedade no primeiro ano de mandato por integrar a tropa de choque do presidente da Câmara.
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Conhecido por Tato, Luís Henrique empresta seu apelido ao bar do Litoral Norte que recebe Marun. Desde a infância, o parlamentar, que chegou na quinta-feira a Atlântida, passa o verão na praia. No bar, é o infiltrado vermelho na "mesa dos gremistas". Colorado, conta causos, bate na mesa, distribui gargalhadas e opiniões enquanto degusta cerveja ou caipirinha de abacaxi. Uma vez por ano, organiza um galeto à beira-mar.
Engenheiro civil e advogado, Carlos Eduardo Xavier Marun é o típico gaúcho que desbravou o Centro-Oeste sem romper o cordão umbilical com a querência. Até o início do ano, a turma de bar via pela tangente a carreira política do amigo, ex-secretário de Habitação de Mato Grosso do Sul. Em Brasília, tudo mudou. Nos entreveros do Conselho de Ética, o deputado de espessos cabelos brancos chama atenção quando ergue o corpanzil (1m89cm e 130 quilos) e começa a discutir com os colegas, cena retratada na TV e nos jornais.
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Marun foi o autor do requerimento à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que pode anular a sessão em que foi aprovada a continuidade da investigação contra Cunha, acusado de mentir na CPI da Petrobras. Com a troca do relator do caso, a tropa de choque tentou um pedido de vista, com base na premissa de que se trata de um novo relatório. O conselho negou o recurso e aprovou o andamento do processo, capaz de cassar o mandato do presidente da Câmara.
A partir do impasse, amigos do Sul começaram a questionar Marun. Queriam saber por que ele defendia um político acusado de participar do petrolão. Apesar da distância, Marun viaja com frequência ao Rio Grande do Sul. Octogenários, seus pais vivem em Porto Alegre. Todo setembro ele passa pelo Acampamento Farroupilha. Gosta de declamar, sabe de cor Bochincho e Galo de Briga, de Jayme Caetano Braun. Em julho, declamou Milonga do Peão de Agora, de Pedro Ortaça, ao votar contra a proibição dos rodeios na Comissão de Agricultura da Câmara.
- Meu coração é o centro de um permanente rodeio - encerrou.
A lábia é de família. Marun é descendente de libaneses: o avô paterno trocou Ghazir por Alegrete, onde estabeleceu a Loja Paraíso, em frente à Praça Getúlio Vargas. Vendia roupas e tecidos. Seus pais, José e Edy, tocaram a vida em Porto Alegre - ele como servidor público, e ela, como professora. Em 1960, nasceu Carlos Eduardo, "filho da lua de mel".
- Meus pais casaram em fevereiro e nasci em novembro, nove meses depois - ri o deputado, adepto de frases de efeito e gracejos.
Criado no bairro Medianeira, ele estudou no Colégio Militar e formou-se em Engenharia Civil pela UFRGS em 1982. Adepto dos Carnavais em Santo Augusto, foi levado por amigos a conhecer o Chapadão dos Gaúchos, atual Chapadão do Sul, porção de terra que recebeu colônias de migrantes. Fascinado pelo êxodo, em 1984 o torcedor do Internacional estabeleceu-se em Campo Grande - quatro anos depois casou-se com Luciane, também gaúcha.
ENTREVISTA
"Não tenho medo do choque, gosto do embate", diz Carlos Marun
O senhor é da tropa de choque de Eduardo Cunha?
Não divido o Conselho de Ética entre tropa do Cunha e tropa da Dilma. Não tenho medo do choque, gosto do embate. Sou advogado, tenho razoável conhecimento jurídico e vejo o que é óbvio. Cunha foi colocado como protagonista do petrolão de forma planejada, a fim de lançar uma nuvem de fumaça em relação aos verdadeiros beneficiados do esquema.
O senhor concorda com Cunha quando ele diz ter sido escolhido para ser investigado?
Não conheço Cunha há tanto tempo para colocar a mão no fogo por ele e não ponho a mão no fogo por ele. Sei que há uma inversão de pauta. O petrolão é um processo criado pelo PT com objetivo de perpetuação do partido no poder, só que uma parte do dinheiro foi para o bolso da turma.
Cunha é inocente ou culpado?
Não sei. A denúncia da Procuradoria-Geral da República contra ele é fraca, sem provas concretas. Houve um acordão que passou pela proteção da presidente Dilma, do presidente Renan Calheiros e pela recondução rápida do procurador-geral da República (Rodrigo Janot). Cunha foi o boi de piranha, lançado no rio para que a boiada siga em frente. Desafio a provarem uma atitude minha que tenha sido pra fazer chicana, para que o processo no Conselho de Ética dele fosse delongado.
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O recurso à CCJ sobre o pedido de vista retarda o processo por quebra de decoro.
O direito de vista é inalienável, o parlamentar tem de ter condições de saber o que vai votar. Com a troca do relator (Marcos Rogério, PDT-RO), há um novo relatório. O processo não volta à estaca zero, o parecer vai ser votado de novo porque o primeiro relator (Fausto Pinato, PRB-SP) não poderia ter ficado no cargo. A tropa da Dilma atropelou o regimento e atrasou a votação. Pinato era do bloco do PMDB, não podia ser relator.
Ainda é preciso estudar o relatório?
É um novo relatório. Denúncia que sequer foi aceita não pode servir de prova para cassação. Palavra do Ministério Público vale tanto quanto a da defesa.