Sob ameaça de perda de mandato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve um dia ruim para sua estratégia de sobrevivência política. Perdeu o apoio do PSDB e convive com o risco de ver o restante da oposição debandar. Acuado pela revelação de suas contas na Suíça, o presidente da Câmara articula uma série de manobras com o mesmo fim: ganhar tempo. Ele trabalha para que o seu processo por quebra de decoro no Conselho de Ética tenha desfecho somente a partir de março. Até lá, espera que as denúncias e a pressão por sua cassação percam força.
Bancada do PSDB agora quer a cassação de Eduardo Cunha
Depois de admitir ser "usufrutuário" de contas não declaradas no Exterior, ato considerado um erro por seus aliados, Cunha perdeu o viço. Dos escudeiros da oposição, segue fiel apenas o Solidariedade.
- Cunha virou um morto-vivo, um zumbi - atesta o democrata Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
A defesa do presidente busca três metas: provar que não mentiu na CPI da Petrobras ao negar ter contas no Exterior, já que a titularidade seria de trusts (instituição gerenciadora de bens ou valores de alguém, que passa a ser beneficiário do patrimônio). Também pretende assegurar que não era necessário declarar as contas à Receita Federal. Além disso, provar que o dinheiro tem origem lícita, com a venda de produtos para países africanos e de investimento em bolsas.
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Por ora, a defesa não empolgou.
A afirmação de que Cunha é o "usufrutuário" das contas foi classificada como "piada" no governo e na oposição.
- O que é conhecido publicamente é constrangedor para o presidente. Vamos aguardar o que virá documentado na defesa - diz Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS), membro do Conselho de Ética.
Convencer os colegas de que não mentiu e de que não omitiu seu patrimônio é a chave para o peemedebista se salvar. Aliados confiam que com manobras regimentais seja possível esticar até abril a discussão do processo no conselho.
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A intenção de Cunha antecipar sua defesa, aguardada para segunda-feira, seria uma forma de atrasar a votação do relatório prévio, que define se a investigação avança ou não. Relator, Fausto Pinato (PRB-SP) deseja antecipar o parecer, mas Cunha deve apresentar fartura de documentos, a fim de atrapalhar seu trabalho. O presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), marcou a votação para o dia 24, mas articulações tentam jogá-la para dezembro.
Pinato dá sinais de que defenderá a continuidade das investigações, porém o grupo pró-Cunha articula para derrubar o parecer no conselho em uma votação apertada. Dos 21 membros do colegiado, teriam o apoio de oito, e precisariam buscar mais três votos.
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Se o processo andar, corre o prazo para coletar documentos e ouvir testemunhas. Acredita-se que o relator solicitará uma longa lista de provas físicas e de depoimentos, o que facilitaria a intenção de postergar as votações definitivas do caso.
- Se ficar para o próximo ano, vamos usar o recesso para enfrentar ponto a ponto todas as contradições da defesa. Ele (Cunha) se engana ao pensar que o tempo vai ajudá-lo - diz Júlio Delgado (PSB-MG).
Na quarta-feira, o peemedebista ganhou reforço no conselho. O Solidariedade confirmou Paulinho da Força (SP) na vaga de Wladimir Costa (PA), que renunciou ao posto alegando problemas de saúde. Fiel aliado, Paulinho protocolou a representação por quebra de decoro contra Chico Alencar (PSOL-RJ) alegando que ele usou recursos da Câmara para financiar sua campanha.
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Sinuoso caminho das explicações
1 Mentir na CPI da Petrobras
Em março, Eduardo Cunha foi à CPI da Petrobras e negou ter contas no Exterior. Documentos enviados pelo Ministério Público da Suíça à Procuradoria-Geral da República (PGR) mostram o contrário. Cunha responde no Conselho da Ética da Câmara por quebra de decoro, processo que pode custar seu mandato.
Cunha tentará provar que não mentiu. Ele insiste que a titularidade das contas é de trusts constituídos no Exterior. O deputado afirma ser apenas "usufrutuário" do dinheiro. Trust é uma figura legal, que recebe a prerrogativa de administrar bens em nome de um ou mais beneficiários, conforme contrato.
2 Contas não declaradas
A investigação da PGR encontrou contas ligadas a Cunha e familiares no Exterior, que não foram declaradas à Receita Federal e ao Banco Central. Ocultar bens também pode levar à cassação. Na declaração de patrimônio encaminhada à Justiça Eleitoral em 2014, o deputado declarou ter R$ 1,6 milhão, sem as referidas contas em bancos estrangeiros.
O parlamentar peemedebista argumenta que não precisava declarar os valores das contas às autoridades brasileiras por não ser o dono delas, já que sustenta que a titularidade está com os trusts, versão questionada por tributaristas. O parlamentar reforça sua defesa ao dizer que o dinheiro foi gerado e investido fora do Brasil.
3 Origem do dinheiro
Cunha foi denunciado pela PGR no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, crimes que estariam relacionados aos desvios da Petrobras investigados na Operação Lava-Jato. A acusação afirma que o parlamentar teria recebido, entre 2006 e 2012, pelo menos US$ 5 milhões por ter viabilizado a contratação de navios-sonda para a Petrobras.
O parlamentar nega ter recebido valores indevidos relacionados ao esquema de corrupção na Petrobras. Ele garante que o dinheiro tem origem lícita, obtido por meio da venda de carne enlatada e de outros produtos alimentícios na África, na década de 1980 - inclusive apresentou a aliados passaportes com 37 viagens à África. Outra parte do recurso seria fruto de investimentos em ações nos Estados Unidos e na China.
4 Depósito de 1,3 milhão de francos suíços
Um dos delatores da Lava-Jato, o lobista João Augusto Henriques afirmou que, em 2011, Cunha recebeu 1,3 milhão de francos suíços (US$ 1,3 milhão) em uma de suas contas, dinheiro que viria de contrato da Petrobras para exploração de petróleo na África. O lobista disse que realizou a transferência por ordem de Felipe Diniz, filho do ex-deputado Fernando Diniz (PMDB-MG), morto em 2009. Henriques disse que só soube depois que a conta era de Cunha.
Cunha diz que o depósito poderia ser o pagamento de uma dívida de Fernando Diniz, para quem ele teria emprestado dinheiro. O deputado tem documentos com as transferências realizadas em 2011 e afirma que não movimentou o dinheiro, porque não era uma arrecadação esperada pelo trust. Felipe Diniz negou essa versão em depoimento ao MP.