Neste sábado, a tragédia na boate Kiss completa mil dias. Depois de 27 de janeiro de 2013, os olhos do país se voltaram para a prevenção de incêndios. A morte de 242 pessoas exigia que todos se adequassem às normas. Teve início uma busca desenfreada pelo alvará dos bombeiros. O documento se tornou exigência primordial para o funcionamento de qualquer estabelecimento.
Mas, passados quase três anos, os setores privado e público ainda patinam para providenciar os Planos de Prevenção Contra Incêndios (PPCIs), primeiro passo no caminho do tão almejado alvará de prevenção de incêndios. Dos projetos encaminhados aos bombeiros, 100% retornam para correções. É por isso que nem escolas, nem postos de saúde, nem prédios públicos e tampouco hospitais têm o documento em Santa Maria.
E por que, então, esses locais funcionam sem alvará? Segundo os bombeiros, porque os locais têm os itens necessários de segurança, e consequência maior seria interditá-los. É o caso de seis dos sete hospitais de Santa Maria - dois públicos (Casa de Saúde e Universitário), um filantrópico (Caridade), dois particulares (São Francisco de Assis e Unimed) e um militar (da Brigada Militar) - que têm PPCIs tramitando.
A exceção é o Hospital de Guarnição (HGu) do Exército que segue trâmite interno diferente e, por isso, não tem protocolo na Seção de Prevenção de Incêndios (SPI). O PPCI do hospital regional, cuja obra ainda não foi entregue ao Estado, também tramita nos bombeiros. Segundo os hospitais, a falta do papel não afeta o atendimento e não os torna menos seguros.
Sem contratos
Situação mais grave vivem alguns hospitais da região. Na área da 4ª Coordenadoria Regional de Saúde, com sede em Santa Maria, o Hospital São Roque, de Faxinal do Soturno, e o Hospital Bernardina Salles de Barros, de Júlio de Castilhos, também estão com planos e tramitação nos bombeiros. Mas, devido à falta do alvará, não tiveram contratos com o Estado renovados.
Segundo a coordenadora regional de Saúde, Lenir Pires da Rosa, o alvará dos bombeiros passou a ser pré-requisito para obter o alvará da Vigilância Sanitária. Sem o sanitário, o Estado não firma contrato. Sem isso, não há repasse de recursos estaduais. Sem o dinheiro, os hospitais suspenderam serviços pelo Sistema Único de Saúde.
Dificuldade está em adaptar prédios antigos à nova lei
A maior dificuldade enfrentada pelos hospitais da região para conseguir aprovar os PPCIs é adequar os prédios, em geral, estruturas antigas, às exigências da nova legislação estadual. Entre as alterações, estão construção de rampas e alargamento de corredores e de escadas. Segundo o capitão Daniel Dalmaso, da Seção de Prevenção de Incêndios do Corpo de Bombeiros, a solução pode estar em medidas que compensem a impossibilidade de atender a algum item. É o que vai propor o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm).
- O projeto (PPCI) está quase concluído. Prevemos portas que isolem uma área da outra em caso de incêndio, como medida compensatória para a exigência de chuveiros automáticos. Também teremos aumento da rede de hidrantes. Por enquanto, estamos mantendo em condições os itens de prevenção que já existiam - diz o engenheiro químico e de segurança do trabalho do Husm, Elson Fernandes Cozza.
Caridade conta com todos os equipamentos de prevenção a incêndio, mas aguarda papelada
Com uma nova rampa externa e portas corta fogo nos corredores, no Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo, que tem mais de 115 anos, a preocupação é ter de fechar unidades para fazer adequações. Conforme a Provedoria, uma ala de internação está fechada desde o início do ano para reforma, mas o atendimento e os setores de apoio não podem parar. Na sexta-feira, havia 460 pacientes internados no hospital, além das pessoas que estavam nos blocos cirúrgicos e utilizando serviços terceirizados.
- Reconhecemos as necessidades e as exigências dos bombeiros. Estamos trabalhando para fazer adaptações - diz Pio Trevisan, provedor do Caridade.
Tanto no Husm quanto no Caridade, as obras só começarão após a aprovação dos PPCIs.
Instituições suspendem serviços
No Hospital São Roque, em Faxinal do Soturno, 120 cirurgias eletivas (agendadas) - 65 em traumatologia - deixaram de ser feitas por mês desde o início de agosto. Se a situação se estender, a instituição cogita parar, total ou em parte, o serviço 24 horas no Pronto-Atendimento. É que o contrato com o Estado venceu em março deste ano e não foi renovado porque o hospital não tem alvará de prevenção contra incêndios. São R$ 120mil mensais em repasses que deixaram de chegar ao hospital.
Na quinta, o responsável técnico do hospital retirou o documento de prevenção nos bombeiros para novas adequações. Após aprovado, o plano tem de ser executado pelo hospital, vistoriado pelos bombeiros, para, por fim, se tudo estiver correto, ser emitido o alvará de prevenção contra incêndios.
- Nosso alvará sanitário já tinha sido expedido em março e foi cancelado dois dias depois (por falta do alvará dos bombeiros). No nosso caso, inclui a largura de rampas e de escadas. É estrutura do prédio, não tem como mexer. Estamos tentando criar medidas compensatórias, como escadas externas - explica o administrador Flávio Stona.
No Bernardina Salles de Barros, em Júlio de Castilhos, o prédio é de 1935 e também precisará de adequações.
- Prevemos a abertura de duas saídas de emergência, duas rampas externas e iluminação de emergência. Estamos sem alvará e sem contrato desde o dia 10 de outubro - relata o gestor Leonardo Dalla Nora.
O hospital não consegue contratualizar serviços nem receber incentivos. As cirurgias estão suspensas e, segundo Dalla Nora, a tendência é interromper mais atendimentos.