"Hoje, depois de tudo o que passei, eu tenho uma certeza inabalável: não estou pronta para morrer. Eu quero muito viver". As palavras doces da professora Elisângela dos Santos Costa, 42 anos, dão um tom convicto a um olhar que é firme e esperançoso. Há quase 20 anos, ela tentou acabar com a própria vida. Da tristeza e do desespero que pareciam nunca ter fim, Elis fez renascer a vontade de estar viva e, hoje, ajuda outros a superarem suas desesperanças e darem a volta por cima.
Suicídio: um problema além dos números
Antes de decidir se matar, ela sofreu intensamente por aproximadamente dois anos. O caminho de dor percorrido por Elis é semelhante ao que leva muitas pessoas a atentarem contra a própria vida - 98% dos indivíduos que cometem suicídio estão vivendo algum transtorno emocional. Elis era vítima de uma depressão profunda e desconcertante, agravada pela perda recente de um amigo querido.
A pouca idade (ela tinha 23 anos), a falta de informação e a personalidade introspectiva fizeram com que a então estudante universitária sofresse calada. Quando a dor já dilacerava a alma, vieram a decisão, o plano e a tentativa. Mas, quando agonizava, Elis foi encontrada pela mãe, que a socorreu e garantiu a ela uma segunda chance de viver.
- Eu só descobri que tinha depressão depois que eu tentei o suicídio. Até então, eu desconhecia a existência da doença. Eu sentia tanta dor que parecia que eu não tinha mais motivos para existir. Dormia querendo não acordar e me perguntava o tempo todo "o que estou fazendo aqui?". Eu me sentia como a maioria das pessoas que sofrem de depressão e que não entendem que podem ficar bem. Mas podem. Todos podem ficar bem. Dizer que eu tive coragem de me matar é equivocado. Eu não tinha era coragem de viver - avalia a professora.
A tentativa de autoextermínio de Elis ocorreu em um domingo do mês maio, em 1996. Nascida em São Sepé, ela era aluna do curso de Geografia da UFSM e morava com amigos em Santa Maria. Mas aquele dia era mais um da temporada de greve da instituição que a jovem passava na casa da família, em Formigueiro, onde cresceu e onde moravam seus pais - um pedreiro e uma comerciante generosos, que sempre deram amor e educação para ela e seus três irmãos. Quando ficou sozinha, colocou o plano em prática:
- Meus pais foram para um jogo de futebol e me convidaram. Mas eu recusei porque estava decidida a dar um fim à minha dor naquele dia. Acordei quatro dias depois, no hospital, e fiquei triste por não ter conseguido. Mas, quando recebi alta, passei pela primeira sessão de terapia. Fiquei 40 minutos em silêncio até que minha psiquiatra pegou na minha mão e eu consegui chorar. Foi um momento transformador na minha vida.
Hoje, Elis faz parte do grupo Comunidade de Fala, que visita escolas e instituições para falar sobre dor, aceitação, tratamento, ajuda e esperança.
A nova queda e, de novo, a volta por cima
Elis se recuperou da tentativa de suicídio, terminou a faculdade e começou a trabalhar. Casou-se em 12 de outubro de 2002 e, em novembro de 2003, deu à luz a pequena Isadora. Em 2006, o divórcio foi superado de forma racional e equilibrada. Ela e o ex-marido chegaram, juntos, à conclusão serena de que eram muito diferentes. Optaram pela separação. Hoje, têm uma relação amigável e dividem a educação da filha.
- Minha gravidez foi acompanhada e tranquila. Quando minha filha nasceu, eu olhei para o rostinho dela e pensei: "agora, mais do que nunca, eu não posso mais morrer". Ela deu mais sentido à minha vida e precisa que eu esteja bem. Mas meu medo de perder as pessoas que eu amo me deixou distante da minha pequena no início. Só depois eu entendi que isso fazia mal à ela e, com esforço, consegui mudar. Hoje, somos muito unidas - comenta.
Mas, em 2012, a dor voltou com tudo. Em busca de nova vida e novos ares, Elis se mudou de Santa Maria para Santa Cruz do Sul. A adaptação foi difícil. Distante da mãe e da filha e se sentindo sozinha, teve anorexia - chegou a pesar 42 quilos, distribuídos em 1m58cm. A fase ruim foi superada com a ajuda da psicoterapia e do que ela aprendeu com a experiência de quase morte.
De volta a Santa Maria, graduou-se em História, também pela federal e, hoje, é professora da disciplina e de geografia nas escolas João Isidoro Lorentz e Oliva Lorentz Schumacher, em Formigueiro. Foi conselheira e paraninfa das turmas de 3º ano das instituições desde 2008. E a vida nova de idas e vindas para dar aulas na cidade vizinha permitiu a ela conhecer Vinícius, 36 anos, com quem ela completou 1 ano de namoro no último dia 5. Junto, o casal comprou um apartamento que ficará pronto no próximo setembro. Na casa nova - ela diz, com o sorriso largo -, vai morar com o namorado, com Isadora e com os gatinhos Xuxu e Fufu. Cheia de alegria e planos, Elis garante que é feliz, otimista, está tranquila e acredita muito mais na vida hoje:
- Desde a minha tentativa de suicídio, foram quase 20 anos de tratamento e muitas idas e vindas. Eu tenho depressão e sempre vou ter. Tive outras crises depois e posso vir a ter novas. Mas aprendi uma coisa que eu digo a mim mesma toda vez que eu sinto dor: vai passar. E eu queria que todo mundo que vive isso soubesse que pode vencer, focasse nessa frase e a repetisse a cada vez que parecer insuportável: vai passar.
Confira abaixo a página especial com a série de reportagens especiais sobre o suicídio: