A imagem provocou profunda náusea, tal a comoção e a consternação de que o mundo foi tomado. Em alta velocidade, a foto foi mais impactante que todos os textos sobre crueldade e impotência na crise migratória vivida em mares e solo europeus.
O menino sírio Aylan Kurdi, três anos, cujo corpo jazia com o rosto quase enterrado à beira-mar na praia turca de Ali Hoca, no vilarejo de Bodrum, tornou-se o emblema do drama que vivem famílias de refugiados sírios, afegãos e iraquianos, cuja intenção é deixar o inóspito lugar de origem para se agarrar a uma chance de vida, mesmo que em destino desconhecido e numa travessia repleta de riscos.
No caso de Aylan e de outras milhares de pessoas em situação semelhante, o destino foi a morte. O flagrante da imagem fez dele o rosto de um drama. Mais que a tragédia de cadáveres à deriva nos mares europeus ou de pessoas retidas numa estação húngara transformada em prisão. Sua própria família é um símbolo. O irmão Galip, cinco anos, também morreu na tentativa de sair da Turquia.
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Pelas idades que tinham, fica claro: ambos nasceram e viveram sempre sob os bombardeios da guerra na Síria. Haviam deixado para trás a cidade de Kobane, controlada pelo grupo terrorista Estado Islamico (EI), palco de violentas batalhas entre militantes extremistas muçulmanos e forças curdas no primeiro semestre.
Nenhum dos dois meninos tinha a proteção de alguma boia ou colete salva-vidas. Não contaram com qualquer chance de salvação quando, na noite cerrada, o bote onde estavam virou, e eles se afogaram.
Desesperados para escapar da barbárie, o pai do menino, Abdullah, e a mãe, Rehan, primeiro deixaram a Síria. Foram para a Turquia. Sentindo-se discriminados e com dificuldades financeiras em solo turco, partiram com o sonho de se juntar a parentes no Canadá. A família precisava deixar de vez Kobane para trás. Mesmo ilegais, tocaram adiante os planos.
Apenas Abdullah sobreviveu à tentativa de travessia entre a Turquia e a Grécia. Além dos meninos e de Rehan, pelo menos nove pessoas morreram na fuga desesperada.
Para a imprensa canadense, os parentes dos Kurdi relataram que Abdullah lhes telefonou e contou da tragédia vivida no mar. Sozinho, agora ele quer retornar a Kobane, para enterrar a família. No telefone, ele tentava falar. Aos prantos, balbuciou para o irmão Mohamed:
- Minha esposa e meus filhos estão mortos!
Os parentes dos Kurdi vivem em Vancouver e vinham tentando conseguir uma travessia segura para eles, que estavam na Turquia. Teena Kurdi, tia dos meninos e há 20 anos vivendo no Canadá, os ajudava financeiramente, com depósitos mensais para pagamento de mantimentos e aluguel. Teena diz que tentou lhes conseguir asilo e que, em junho, veio a negativa. Abdullah, então, resolveu se arriscar na viagem precária.
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Era madrugada de terça para quarta-feira. Deixaram Bondrum rumo à ilha grega de Kos. Seguiam o sonho pelo Mar Egeu, de onde a Guarda Costeira turca resgatou 42 mil pessoas apenas entre janeiro e maio - 2 mil somente na semana passada.
O Departamento de Cidadania e Imigração do Canadá negou nesta quinta-feira, porém, que tenha rejeitado um pedido de asilo da família e disse não haver registro de pedido feito em nome de Abdullah e a família. O órgão afirmou, porém, que Mohamed Kurdi, outro membro da família, teve um pedido rejeitado por falta de documentação.
A polícia turca deteve, nesta quinta-feira, quatro suspeitos de tráfico de imigrantes após o naufrágio, informaram jornais locais. Com nacionalidade síria e idades entre 30 e 41 anos, eles foram presos na estação de Bodrum, de onde partiram as duas embarcações que naufragaram, segundo a agência noticiosa Dogan.
*Zero Hora com agências