A festa acabou, o povo sumiu, a noite esfriou, e um jovem foi assassinado, no tradicional ponto de encontro dos universitários em Santa Maria. Na madrugada do último sábado, quando quase todos os cerca de seis mil jovens que passaram pela Praça Saturnino de Brito já haviam ido embora, um crime manchou de sangue a calçada que já estava suja pela junção dos estudantes.
João Eduardo Camargo, 30 anos, não estava na faculdade e provavelmente chegou ao local depois que a multidão já tinha se dispersado. Porém, por mais que o crime não tenha relação com a festa dos calouros, poderá acabar convencendo os que ainda resistem à necessidade de mudar esses encontros para um lugar mais seguro. Na manhã de ontem, um roubo com agressões a dois jovens no mesmo local também mostra a urgência da mudança.
Conforme nota oficial divulgada pela Brigada Militar, 27 policiais chegaram a trabalhar no policiamento na noite de sexta-feira, na praça. Porém, o efetivo já não estava no local às 4h, quando o crime aconteceu. As câmeras de vigilância da Guarda Municipal registraram o momento do crime.
A junção dos estudantes já havia terminado quando cerca de 15 pessoas ainda permaneciam na praça. Um pequeno grupo parece conversar quando um deles atira três vezes, à queima-roupa, na vítima, sendo que havia bebido a cerveja dela segundos antes, e sai tranquilamente do local.
A Brigada Militar chegou ao local seis minutos depois dos disparos e encontrou João Eduardo Camargo, 30 anos, no chão, vivo mas inconsciente. O Samu e os bombeiros foram acionados, mas o jovem morreu no local. Conforme testemunhas contaram à polícia, um indivíduo se aproximou da vítima gritando e atirou três vezes, fugindo logo após.
A perícia esteve no local do crime e encontrou os estojos das três munições, mas a ocorrência registrada na Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento informa que Camargo recebeu apenas um dos tiros. A investigação está a cargo da 1ª Delegacia de Polícia (DP), e vai usar as imagens da Guarda Municipal para identificar os envolvidos.
Mulher viu a morte do marido
De acordo com o relato de familiares, a mulher de Camargo estava com ele na praça, no momento do assassinato. Os dois teriam saído para uma festa e passaram pela praça. Camargo era casado e tinha dois filhos, um menino de sete anos e uma menina que completou três anos de idade ontem. Trabalhava como ferreiro na construção civil.
- Era um pai exemplar, e ninguém está acreditando no que aconteceu - lamenta a tia Leonara Rodrigues dos Santos.
Ele foi sepultado ainda no sábado, no Ecumênico Municipal.
Madrugada nada silenciosa
Duas vezes por ano, em geral durante uma semana, as páginas dos jornais passam a estampar o lado feio da alegria dos estudantes que passaram no vestibular. Tradicionalmente, os calouros são recebidos com trote.
Mas a junção dos jovens na Saturnino de Brito vem crescendo nos últimos anos e gerando cada vez mais transtornos. Barulho até tarde, sujeira, cheiro forte de urina e, mais recentemente, a insegurança, por mais que não sejam gerados só por estudantes, se intensificam nessa época.
Taxistas que trabalham no local reclamam que a rua fica fechada, impossibilitando o trabalho e causando prejuízo. Além disso, dizem que "já era esperado" que uma morte acontecesse ali, cedo ou tarde, devido à precariedade da estrutura e da segurança, diante da multidão que se reúne.
O estudante de Engenharia Civil Eduardo Lewinski, 21 anos, mora em frente à praça e não reclama do evento:
- Eu estava lá, na praça, até umas 23h. A gente sabe que isso não é coisa dos estudantes e sim de outras pessoas que acabam se aproximando da junção. Acho que o assassinato foi uma fatalidade porque desta vez achei mais seguro do que no início do ano, a gente percebe mais policiais na rua.
Opinião que não é compartilhada por uma estudante que preferiu não ser identificada:
- Eu sou estudante e sou contra. Depois da 1h diminui o policiamento, abrem a rua e aí o pessoal toma conta. Outro dia cheguei no prédio e vi as pessoas vendendo drogas na rua, dá para ver que não são estudantes. Acho que o policiamento deveria continuar enquanto tivesse junção, porque depois da 1h tudo piora.
Ontem, além do assassinato, havia outros dois registros policiais relacionados ao local. Um, de uma vidraça quebrada em uma escola de yoga vizinha à praça. Outro, de um assalto com agressões a um casal de jovens, às 6h de ontem.
Quando a mulher de 22 anos foi ao banheiro, foi abordada por dois indivíduos. O amigo, de 30 anos, chegou para ajudá-la e foi agredido a socos e garrafadas. A dupla levou a moto do homem, além de mochila, capacete, celulares e R$ 450.
É preciso mudar com rapidez
Desde que as junções na Praça Saturnino de Brito começaram a atrapalhar o trânsito, sujar as ruas e atrapalhar o sono dos vizinhos, fala-se que aquele não é o local mais adequado. Conforme a Brigada Militar, na sexta-feira à noite havia cerca de 6 mil pessoas ali.
Porém, a busca por uma outra sede para a diversão dos estudantes calouros não é tão simples. Luiz Otávio Prates, secretário municipal adjunto de Comunicação, está envolvido na causa e espera que, no próximo trote, em março, já se tenha encontrado uma alternativa.
- Isso não depende só da prefeitura. Depende de outras instituições e, também, dos estudantes. Se não a gente programa um grande evento e ninguém aparece. Mas esse crime pode ajudar a convencer as turmas, as universidades, entre outros, de que essa mudança é necessária - afirma.
Participante assíduo das junções e vizinho da praça, o estudante de Engenharia Civil Eduardo Lewinski admite:
- (A praça) não é o local mais apropriado, mas não sei se organizasse em outro local os jovens não iam continuar se reunindo ali.
Na sexta-feira, o reitor da UFSM, Paulo Burmann, afirmou que está aberto a sugestões e que pretende colaborar para que haja um lugar mais seguro para as festas dos bixos - leia mais na Página 2.
A Brigada Militar é um dos órgãos preocupados com a questão. Desde o início da última semana, o policiamento ostensivo nos arredores da praça foi reforçado com uma média de 15 policiais em cada dia. Na sexta-feira, havia 27, mas eles já não estariam no local, na hora do assassinato.