Após uma série de denúncias e investigações pelo Vaticano, Antonio Carlos Altieri teve ontem sua renúncia ao cargo de arcebispo de Passo Fundo aceita pelo papa Francisco.
Papa aceita renúncia do Arcebispo de Passo Fundo
O religioso paulista solicitou a saída depois de um emissário de Roma ter recolhido críticas e denúncias ao longo de dezenas de entrevistas com padres da sua jurisdição. A decisão do Papa foi publicada na edição desta quarta-feira do boletim diário do Vaticano.
Zero Hora conversou com o agora arcebispo emérito sobre o pedido de renúncia, sua relação com o clero e projetos futuros. Confira a entrevista:
Zero Hora - Por que o senhor renunciou?
Antonio Carlos Altieri - Como vim de fora, como fui o primeiro bispo não gaúcho, isso causou alguma dificuldade, sobretudo no clero, porque o povo sempre me acolheu muito bem. E esse descontentamento de um grupo fez com que o Papa pedisse uma visita apostólica, que foi feita meses atrás por Dom Claudio Hummes.
ZH - Esse clero descontente fez queixas ao Vaticano?
Altieri - É um direito deles. Apelaram para o núncio, talvez diretamente ao Vaticano. Só sei que aceitei a visita como um serviço bonito que a Igreja tem para ouvir o clamor do seu povo. Nessa visita, mostraram as dificuldades, talvez com a metodologia, o modo de fazer, a visão eclesiológica. O núncio então me chamou para mostrar que um grande número do clero, a maior parte, estava descontente. Diante disso, eu disse: não vou dar murro em ponta de faca.
ZH - A que o senhor atribui o descontentamento?
Altieri - Não há um fato, uma briga. Acho que é mesmo uma incompatibilidade teológica, pastoral, metodológica. Uma questão de mentalidade, de ritmo de atendimento das demandas, e que às vezes talvez eu tenha sido um pouquinho acelerado.
ZH - Uma das críticas que fizeram ao senhor tem a ver com gastos exagerados, como no caso da reforma da casa episcopal.
Altieri - Tudo foi feito com o conselho econômico da arquidiocese. Nunca trabalhei sozinho. Não foi reformada só minha casa, também o centro pastoral, o seminário, a casa de retiros. Na casa, foi feita uma restauração, não foi feito nada de novo. A única coisa nova foi uma churrasqueira. Até brincaram: precisou vir um paulista para fazer uma churrasqueira.
ZH - Quanto se gastou nisso?
Altieri - Perto de outras dioceses, não foi grande. Aqui acho que tudo somado não deu R$ 1,5 milhão.
ZH - E a compra de seis veículos pelo senhor?
Altieri - Tínhamos uma frota bem envelhecida e faltavam alguns veículos. Você já viu algum bispo, algum pároco, que possa trabalhar sem ter um carro? Comprei um para mim. Os seminaristas levavam uma hora e meia para ir de casa até a faculdade. Comprei uma van, e agora vão em 20 minutos.
ZH - O senhor também foi criticado por estabelecer que as paróquias deveriam repassar 10% da sua arrecadação à arquidiocese.
Altieri - É outra coisa tão secundária. O Brasil inteiro vive do dízimo. O dízimo é bíblico. Na maioria das dioceses do Brasil, as paróquias colaboram com 10% para a mitra.
ZH - Essa taxa desagradou o clero?
Altieri - Quando se põe a mão no bolso, você descobre onde está o coração. A acomodação de muitos anos, fazendo a coisa de modo caseiro, e com alguns interesses escusos, faz que quando ponha tudo às claras muita gente não goste. Você precisa ter transparência, prestação de contas.
ZH - Foi esse recurso das taxas que bancou as obras?
Altieri - Foram também as reservas que a diocese tinha. Mas a manutenção foi sempre muito descurada. Então se precisou investir um pouquinho mais, mas não temos dívida com ninguém. A diocese não está quebrada, como dizem.
ZH - Outra crítica tem a ver com uma ausência do senhor em grupos pastorais.
Altieri - Isso é uma balela. É interessante eu ter que me defender. Em todo caso, são circunstâncias de cunho pessoal, que por não concordar com uma linha propositiva, com uma metodologia da Igreja atual, alguns se autodistanciaram. E porque ficavam reféns de outras orientações que não a do bispo, eles simplesmente não me comunicavam os compromissos ou os convites. E não sou de me intrometer. Quando me convidaram, sempre estive presente. E minha casa sempre esteve aberta, com chocolatinho para quem chegasse.
ZH - E a questão de que quem discordava do senhor sofria represálias?
Altieri - Isso tudo é uma grande mentira. Nunca tratei ninguém de forma diferente.
ZH - O senhor sai tranquilo?
Altieri - De cabeça erguida, serena. Alguns ficam chateados de saber que eu durmo bem.
ZH - O senhor continuará em Passo Fundo?
Altieri - Tenho até essa possibilidade. Mas, sendo salesiano, a gente sempre está à disposição, de mala na mão. Meus superiores já sugeriram que eu volte à Universidade Salesiana de Roma e de lá veja o melhor. Volto agora para lá, onde trabalhei, e vamos ver com calma onde serei mais útil.