Um misto de ressaca e indignação tomou conta de parte do Congresso após a manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que conseguiu impor sua vontade e aprovar em primeiro turno a proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal com morte.
Parte do contragolpe passa pela mobilização das redes sociais e ruas, além do sucesso de ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quinta-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que a redução e a forma como a PEC foi aprovada são inconstitucionais, e que entrará com ação na Corte caso haja a mudança na lei, o que ainda depende de outra votação na Câmara e de mais duas no Senado. O caminho dos tribunais será seguido por um grupo de deputados do PT e de outros seis partidos, que tentarão anular a votação da PEC.
- Vamos questionar o procedimento que ele (Cunha) tem adotado de fazer quantas votações forem necessárias para aprovar as propostas que lhe interessam - afirmou o deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
Deputados aprovam redução da maioridade penal
Ao digerir a derrota, manobrar uma segunda tentativa, virar o voto de 25 deputados e aprovar em primeiro turno a PEC da redução da maioridade penal, Cunha deixou claro para aliados e desafetos que domina a Câmara. Um poder que o PT e o governo não sabem como conter.
Em diferentes bancadas, é consenso que o presidente da Casa controla a maior parte dos líderes, condição erigida com auxílio em campanhas no baixo e médio clero, além do discurso de independência em relação ao Planalto. Tal hegemonia conseguiu reverter a derrota da PEC e preocupa para votações futuras.
- Há muitos anos não se via um presidente, que embora tenha seus defeitos, eleve o prestígio da Câmara. O Executivo por muitos anos tratou o Legislativo como acessório. Cunha mostra que se trata de um poder independente - avalia Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), com a experiência de quem cumpre o 10º mandato na Câmara dos Deputados.
Pedido para que Temer deixe a articulação
Ciente da posição delicada do governo, que precisa defender as bandeiras do PT, porém necessita de seu apoio para emplacar projetos estratégicos, a exemplo do que ocorreu no ajuste fiscal, Cunha provoca e indica o ocaso da aliança entre PT e PMDB. Nesta quinta, tentou tirar o foco de sua manobra ao dizer que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) deveria deixar a chefia da articulação política do palácio:
- Michel Temer entrou para tentar melhorar essa articulação política, e está claramente sendo sabotado por parte do PT. Acho até que, para continuar desse jeito, ele deveria deixar a articulação.
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A declaração agitou a tarde no Planalto. Temer se reuniu com seu principal aliado, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, para avaliar o cenário e formas de amenizar a declaração. Já o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, respondeu por meio de nota, na qual destacou que a atuação do vice "vem trazendo grandes resultados na relação com o Congresso Nacional".
Dentro da cúpula do PT reside a expectativa de que, em breve, o presidente da Câmara seja enfraquecido com o avanço das investigações da Operação Lava-Jato. É a esperança para reduzir o poder de um nome que se especializa em demonstrar força. A vitória na redução da maioridade penal foi vista como mais uma estocada de Cunha, exímio conhecedor do regimento da Câmara. Decano entre os deputados, Miro Teixeira (PROS-RJ) alertava ainda na terça-feira, após a primeira versão da PEC ter sido rejeitada, a necessidade de invadir a madrugada votando destaques e emendas.
- Comemorou-se a vitória antes do tempo. Cunha teve a habilidade de deixar uma brecha para retomar a votação no dia seguinte. Não é uma estratégia agradável para quem perde, mas é agradável para quem ganha - opina Miro.
Com a predominância das posições do peemedebista, o governo e o PT tentarão impedir a aprovação da redução em segundo turno, porém, consideram nos bastidores a causa perdida. A estratégia é apostar no Senado, que tem preferência pela alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com a ampliação do período de internação dos menores infratores, proposta apoiada pela presidente Dilma Rousseff.
- Duvido que o Senado ratifique o que a Câmara fez - desafiou José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara.
Guimarães se agarra na rixa entre Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que imprime uma agenda menos conservadora. Em conversas com aliados, Renan indicou que não tem pressa para votar a PEC. Às turras com o Planalto, também imprimindo derrotas ao governo, o senador virou a esperança petista para brecar a redução da maioridade penal.