Um gesto de solidariedade, somado a uma verdadeira corrida contra o tempo, devolveu a quatro pessoas a esperança de vida nesta semana.
A partir da autorização de uma família para doar os órgãos da filha - uma jovem de 18 anos vítima de um acidente de trânsito -, cinco transplantes (de coração, pulmão, fígado, rins e pâncreas) foram realizados quase simultaneamente em quatro pacientes no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Tudo em menos de 24 horas. Este foi o maior transplante múltiplo da história da instituição.
Hospital de Clínicas realiza o maior transplante múltiplo de sua história
A situação incomum exigiu uma força tarefa do hospital, que mobilizou mais de 60 profissionais, demandou veículos para o transporte dos órgãos, acarretou no cancelamento de seis cirurgias eletivas e ocupou quatro salas cirúrgicas.
Considerados procedimentos de alta complexidade, os transplantes exigem equipes e estruturas especializadas, o que torna raras as situações em que é possível realizar múltiplas cirurgias ao mesmo tempo.
Segundo a vice-presidente médica do Clínicas, Nadine Clausell, a ação foi pioneira em um hospital universitário na região sul do país. A especialista afirma que foi uma casualidade, ou uma "junção de fatores", que levou o HCPA a realizar os cinco procedimentos de uma vez só.
- Normalmente, os órgãos doados são distribuídos pelo Estado conforme a fila de espera. Neste caso, os quatro pacientes compatíveis que estavam no topo da lista eram do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e todos estavam aptos a receber imediatamente os órgãos - relata.
Além dos quatro beneficiados na instituição, um paciente de outro hospital recebeu um dos rins da doadora. Em breve, outra pessoa ainda poderá ser beneficiada com a doação das córneas.
A quantidade de pacientes que tiveram sua expectativa de vida renovada com o gesto da família da jovem traz à tona a importância da doação de órgãos. E a possibilidade de múltiplas cirurgias aparece em um momento em que os números de transplantes não são tão animadores no país.
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Conforme balanço da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), divulgado em maio, o Brasil registrou uma leve queda no número de doadores de órgãos no primeiro trimestre de 2015, em comparação ao mesmo período do ano passado.
Operação de guerra para salvar vidas
Foi na madrugada de quarta-feira, a partir da autorização da doação, que a mobilização começou. Já nas primeiras horas de 15 de julho, a Central de Transplantes, que localiza os pacientes na lista de espera do Estado, começou a entrar em contato com os possíveis receptores. E as equipes que realizam as cirurgias entraram em ação.
O coordenador do Colegiado dos Programas de Transplantes e chefe da Unidade de Transplante Renal do HCPA, Roberto Manfro, estima que, entre a autorização da doação e o início dos procedimentos cirúrgicos, foram menos de seis horas. Como a doadora estava no Hospital de Pronto Socorro de Canoas, foi necessário que equipes se deslocassem até lá para realizar a retirada dos órgãos e o transporte deles até a Capital.
Enquanto isso, em Porto Alegre, os receptores já estavam sendo preparados para as cirurgias. Manfro destaca que, nestes casos, o tempo é crucial para o sucesso dos procedimentos. Quanto menor o tempo de isquemia (período em que o órgão fica sem circulação, sendo conservado artificialmente), maiores são as chances de que os transplantes sejam bem-sucedidos.
Durante a madrugada, notícias de esperança
Entre os pacientes que foram despertados no meio da noite, com a notícia que renovaria a esperança de cura, estava José Geraldo Espineli, 56 anos. Há três anos esperando um transplante de pulmão devido a uma fibrose pulmonar, o motorista de caminhão, que morava em Pedro Osório, teve de abandonar o trabalho e a cidade para viver uma angustiante espera. Há dois anos, está em Porto Alegre com a mulher, Margarete, 54, para ficar perto do hospital.
- Nessas horas, é preciso estar preparado a qualquer momento. Quando nos ligaram, saímos correndo na chuva, de madrugada, para chegar o quanto antes no Clínicas - conta Margarete.
Um dia depois do procedimento, enquanto o marido se recuperava da cirurgia, Margarete começava a reativar os planos que, por três anos, ficaram de lado:
- A ideia, agora, é voltar para casa e recuperar o tempo perdido. Queremos ver nossos filhos e netos, curtir a vida. Já perdi um filho em um acidente e posso imaginar a dor desta família, mas somos muito gratos a eles por terem dado uma nova chance ao meu marido.