Com três anos de atraso, o governo do Rio Grande do Sul passou a divulgar nesta quarta-feira, em seu site, os nomes e os salários de servidores públicos estaduais. A relação está disponível no portal Transparência RS (para acessar, é preciso entrar na página, ir em Pessoal > Poder Executivo > Detalhamento Nominal da Folha de Pagamento de Pessoal). Só que a tão esperada transparência, na avaliação de especialistas, chegou "pela metade" e desprezou um dos artigos da Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012.
Divulgação de nomes e salários é falha, diz especialista
A decisão de abrir os arquivos vinha sendo protelada desde a gestão anterior. O ex-governador Tarso Genro negou-se a levar a medida adiante por entender que feria a privacidade do funcionalismo.
Na semana passada, o governador José Ivo Sartori publicou um decreto no Diário Oficial do Estado anunciando o fim do mistério em torno das remunerações nominais. O problema é que o sistema escolhido para a divulgação tem dados em formato fechado (que só permite a pesquisa nome por nome), o que impede o cruzamento e a análise das informações em sua totalidade.
- É lamentável, depois de tanto tempo, o governo gaúcho fazer isso. E não é porque o programador é ruim. O objetivo parece mesmo querer dificultar as comparações - diz o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas.
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O modelo bate de frente com o artigo oitavo da lei, segundo o qual, entre outras exigências, os sites de órgãos públicos devem assegurar o acesso e "a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos". A intenção, com isso, é "facilitar a análise das informações". Secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji traduz o significado da restrição:
- Para cidadãos interessados em verificar como é gasto o dinheiro público ou para jornalistas que têm como ofício acompanhar a administração pública, não interessa saber quanto cada indivíduo recebe isoladamente. Interessa ter a visão geral, a remuneração de servidores em relação ao quadro completo. Interessa conseguir produzir uma análise dessas despesas.
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Fica praticamente impossível, segundo Marina, identificar distorções em remunerações ou verificar se algum servidor recebe um valor desproporcional. Por exemplo: ZH não conseguiu quantificar nem identificar aqueles que ganham acima do teto do Executivo estadual - de R$ 30.471,11.
- Basicamente, é um tiro no pé: o governo do Estado quis parecer transparente, mas essa ferramenta expõe o quanto ele não quer de fato sê-lo - conclui Marina.
Outros poderes também falham
Por meio da assessoria de imprensa, o chefe da Casa da Civil, Márcio Biolchi, disse que a medida tirou "o Executivo da situação incômoda de ser o único Poder do Estado que não divulgava essas informações". Segundo ele, foi adotado "o modelo de demais instituições gaúchas". Biolchi reconheceu que "sempre há espaço para críticas e sugestões".
Assembleia, Tribunal de Justiça e Ministério Público mantêm programas semelhantes ao do Piratini - e igualmente limitados. Mas o Tribunal de Contas do Estado está um passo à frente, assim como o governo federal e a prefeitura de Porto Alegre: em seus portais, não existe esse tipo de limitação (veja quadro ao lado).
A discrepância de posições, para Gisele Craveiro, coordenadora do Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da Universidade de São Paulo (USP), tem a ver com a mudança cultural em curso. Ela diz que a lei de acesso brasileira é uma das mais progressistas do mundo e que foi uma das primeiras a determinar, expressamente, os dados em formato aberto.
- Desde que foi descoberto, o Brasil vive na cultura do sigilo. Por isso, é natural que ainda exista resistência, mas isso não quer dizer que temos de aceitar calados - destaca Gisele.
Como é em outros órgãos públicos
Governo federal
Foi um dos primeiros a abrir os nomes e salários de seus servidores em 2012 - ano em que a lei de acesso entrou em vigor. Quem acessa o site transparencia.gov.br, pode consultar os dados individuais e ainda baixar o conteúdo completo em formato aberto. O site inclusive explica como fazer isso.
Prefeitura de Porto Alegre
Divulgou os dados em 2012, de forma pioneira. Os servidores chegaram a entrar na Justiça, mas a prefeitura conseguiu reverter a decisão. Ao acessar portoalegre.rs.gov.br/transparencia, o cidadão faz a pesquisa por nome e tem a opção de download dos dados em três formatos diferentes.
Tribunal de Contas do RS
O site tce.rs.gov.br/transparencia não só divulga os nomes e salários sem restrições em uma plataforma amigável, como oferece um botão onde se lê "ações". Ao clicar ali, o cidadão pode escolher entre diferentes tipos de filtros para facilitar a análise dos dados e baixar o conteúdo em planilha.
Assembleia Legislativa
Embora divulgue nomes e salários e seja considerado um dos parlamentos mais transparentes do Brasil (inclusive premiado por isso), não disponibiliza as remunerações nominais em formato aberto. Só é possível pesquisar por nome. Site: www2.al.rs.gov.br/transparenciaalrs.
Tribunal de Justiça
Passou a divulgar nomes e salários de servidores apenas em maio de 2013, um ano depois da lei ter entrado em vigor. As informações estão disponíveis, mas com limitação. O formato dos arquivos é fechado, isto é, impede cruzamentos e comparações. Site: transparencia.tjrs.jus.br.
Ministério Público
Publica nomes e valores desde 2013, com limitações. O sistema é fechado e impossibilita, por exemplo, que se faça um ranking dos altos salários. Para saber os valores pagos aos procuradores, é necessário clicar nome por nome. Site: mprs.mp.br/transparencia/remuneração.