Com o propósito de contribuir para o debate sobre a retomada do desenvolvimento do Estado, ZH solicitou a lideranças empresariais, sindicais e políticas artigos analíticos e propositivos a partir da seguinte questão: O Rio Grande tem saída? Como? A série iniciada esta semana com opiniões de representantes de entidades empresariais terá sequência nos meses de julho (sindicalistas), agosto (parlamentares) e setembro (governantes).
*Carlos Sperotto, Presidente da Farsul
O povo gaúcho não é melhor do que nenhum outro povo que conheço, mas é sem dúvidas um povo diferente. Enquanto a maioria dos brasileiros olhavam para litoral do Brasil e oceano afim de ali fazer morada, produzir e se integrar à comunidade que já existia, o gaúcho olhava para o interior do país. Várias gerações de gaúchos abandonaram o conforto de cidades com ruas calçadas, energia elétrica, água encanada e infraestrutura de saúde e educação ao alcance das mãos, para construir novas comunidades nos mais longínquos e improváveis rincões desse país. Daquilo que tinham levaram apenas um punhado de terra gaúcha em um bolso - para matar a saudade - e no outro sementes dos grãos da agricultura que aqui faziam. Recomeçaram a vida com muitas limitações, mas com a certeza de que no final da vida teria valido a pena ter deixado uma estrutura muito melhor para seus filhos e netos. Que exemplo esses gaúchos nos deixaram! Com eles aprendemos o valor de construir, recomeçar e pensar nas gerações futuras, exatamente o que povo gaúcho fez fora do seu Estado é o que nós gaúchos precisamos fazer agora aqui em nossa casa: construir, recomeçar e ter o desprendimento de pensar nas gerações que virão.
Ao longo das últimas décadas nos esquecemos do legado de austeridade e cuidado com as finanças públicas que herdamos de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros que, por sinal, foram as bases daquele Rio Grande que tanto nos orgulha, mas que há muito deixou de existir. Escolhemos trilhar caminhos diferentes, embarcamos nos discursos fáceis de que governos são capazes de suprir todas as demandas e necessidades, enfraquecemos a sociedade e suas empresas, radicalizamos nas posições políticas e deu no que deu: chegamos nessa encruzilhada onde o sonho de transformar o Rio Grande no melhor lugar para se viver deu lugar a realidade mais modesta de buscarmos um meio de como o governo pagar a folha do funcionalismo público.
A situação é muito grave, mas o Rio Grande tem sim saída. Nós carregamos o valor da austeridade no nosso sangue e sabemos o preço que pagaremos por ela. Somos um povo que já demonstrou que sabe recomeçar com escassez para dar aos nossos descendentes a fartura da qual abrimos mão. O Estado tem saída, mas o caminho da saída é estreito, tem espinhos e não será fácil percorrê-lo.
O nosso primeiro passo é separar os problemas que temos de governo daqueles que temos no mundo privado. Dentro de nossas fazendas, fábricas e comércios temos uma capacidade empresarial tão boa quanto em qualquer outro lugar mundo. Temos tecnologia, capacidade empreendedora e empregamos gente séria e trabalhadora. Entretanto, saímos da porteira da fazenda, do portão da indústria ou da porta do comércio e a realidade é outra e bem pior. Temos que saber separar os mundos privado e público.
Em seguida temos que realinhar as funções de cada ente na sociedade, deixando para o governo as funções que lhes são específicas e para as empresas aquilo que elas fazem melhor, sem ranço e ideologia, apenas com pragmatismo e foco em resultado.
Precisamos entender que nossas demandas são hoje muito maiores do que o Estado é capaz de nos dar e o caminho não é ampliar suas funções, mas reduzir nossas expectativas. Do governo temos que esperar ações que nos tragam competitividade, pois é através de nossa produção e da venda de nossos produtos ao redor do mundo é que vamos crescer e nos desenvolver.
Por fim, temos saída sim, mas temos que enfrentar o mais difícil dos desafios, que é mudar a nós mesmos.
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