Embora reconheça a necessidade de atualização do plano de carreira do magistério público do Rio Grande do Sul, o secretário de Educação, Vieira da Cunha, diz que o momento "não é oportuno" para debater o assunto.
Em reportagem especial publicada no domingo, ZH mostrou que o estatuto é uma das razões pelas quais o governo do Estado não paga o piso nacional à categoria, no valor de R$ 1.917,78. Em vigor desde 1974, o plano nunca foi atualizado e mantém a mesma estrutura de ascensão profissional. Hoje, 85% dos docentes estão no topo da carreira e, sempre que o Piratini mexe no vencimento básico inicial, provoca efeito cascata nas finanças públicas - estima-se que a repercussão na folha, com o pagamento do piso, chegaria a R$ 3,3 bilhões ao ano.
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Vieira reconhece que o Estado carece do dinheiro e afirma que não pretende propor mudanças no plano. Como alternativa, sugere a busca de recursos junto ao governo federal, por meio dos royalties do pré-sal e da alteração da lei do piso, que hoje não enquadra o RS entre os Estados que podem receber auxílio da União.
Na prática, essas medidas dificilmente terão resultado no curto prazo, por conta da política de ajustes imposta pelo Ministério da Fazenda. O secretário admite que, sem ajuda, os mestres continuarão sem receber o mínimo nacional.
Entrevista
"O piso não pode ser pago só com recursos do RS"
Filiado ao PDT - sigla que tem a educação como bandeira -, Vieira da Cunha evita confrontos com o Cpers. ZH tentou entrevistá-lo duas vezes antes da publicação da reportagem de domingo sobre o plano de carreira. No domingo, depois de nova tentativa, o secretário aceitou falar - para dizer que o tema não está em pauta.
O senhor pretende levar adiante o debate sobre mudanças no plano de carreira?
Este é um assunto que não está em pauta na secretaria.
Qual é a sua avaliação sobre o plano de carreira?
Há uma opinião comum no sentido de que o plano foi importante e cumpriu seu papel em determinado momento. É natural que uma lei em vigor durante tanto tempo seja revista e atualizada, mas não é o momento oportuno.
Teme a reação do Cpers?
Não. Entendo a posição do Cpers. O que o sindicato tem sustentado é que as tentativas de mexer no plano têm o objetivo de retirar direitos e conquistas. Guardadas as proporções, é o mesmo debate que se faz sobre a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Se fala muito que a CLT está ultrapassada, mas quem defende os direitos dos trabalhadores avalia que modificá-la seria um retrocesso. É o que ocorre com o plano de carreira, e é por isso que o tema não está na pauta, para evitar que esse debate leve a categoria a crer que estamos propondo qualquer tipo de retrocesso.
O plano tem pontos defasados e, segundo avaliações, impede o pagamento do piso. É impossível chegar a uma fórmula que seja boa para todos?
Futuramente, resolvidas algumas pendências, pode se criar um ambiente para que coloquemos esse assunto em pauta, de forma transparente e sincera, buscando atualizar o plano e respeitando os avanços que ensejou. Mas, neste momento, não é possível, porque existem questões pendentes em relação à categoria, e a principal delas é o pagamento do piso.
Como o governo vai pagar o piso sem fazer esse ajuste?
A questão é a seguinte: não se pode trocar seis por meia dúzia. Não adianta pagar o piso, se o pagamento não resultar em melhorias salariais reais. Não posso dar com uma mão e tirar com a outra. Não posso retirar conquistas. Isso não seria encarado pelo magistério como avanço, pelo contrário.
Qual é a saída então, se não há recursos suficientes?
O pagamento do piso não pode ser feito só com recursos do Estado. O que temos de fazer é buscar dinheiro onde existe. E, embora o governo federal esteja fazendo ajustes, é a União que tem condições de bancar essa repercussão ou pelo menos de complementar os recursos. A própria lei do piso diz isso. Quando era deputado, apresentei projeto para alterar o artigo da lei de forma a beneficiar o Rio Grande do Sul. O projeto foi reapresentado e está tramitando.
Se nem a lei que facilita o pagamento da dívida dos Estados com a União foi regulamentada, que garantia o senhor tem de que isso daria certo?
Acredito nisso porque o próprio governo federal anunciou a educação como sua prioridade, inclusive alterou seu slogan para Brasil, Pátria Educadora.
Mesmo assim, a União cortou recursos para a Educação para este ano, não?
É um período de ajuste. Considero essas medidas (cortes no orçamento da União) que acabaram repercutindo na área educacional contraditórias, mas espero sinceramente que seja apenas um período e que seja superado. Só uma ação articulada tornará possível remunerar dignamente o magistério.
Isso significa que não existe previsão de pagamento do piso tão cedo no Estado?
Com recursos próprios, não. Temos de fazer um movimento, com os municípios e os Estados juntos, para pressionar o governo federal. Existe o fundo bilionário dos royalties do pré-sal, com 75% dos recursos carimbados por lei para a educação. A União tem recursos. E quem tem mais tem de dar mais.
O senhor teme uma greve dos professores em sua gestão?
Sinceramente, eu não gostaria. As dificuldades que enfrentamos são conhecidas. Tudo isso seria agravado com uma greve. Por outro lado, é um direito dos professores. De minha parte, farei tudo para que possamos continuar dialogando e construindo uma solução que evite a greve. Uma greve só tem sentido quando há, no horizonte, o atendimento da reivindicação.
E não há essa possibilidade?
O governo do Estado tem demonstrado à sociedade que não há recursos para atender à reivindicação (pagamento do piso). Então, se não há recursos, o que se poderia obter com uma greve? Espero que o magistério reflita sobre isso e que continue trilhando o caminho do diálogo. Abrimos uma mesa de negociações, com a participação do secretário da Fazenda (Giovani Feltes).
Há divergências no interior do governo, entre secretários, sobre esse assunto?
Se porventura existirem, serão tratadas internamente.