Um enigma atormenta a maior cidade do sul do Estado. O desaparecimento da professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Cláudia Pinho Hartleben, 47 anos.
Coordenadora do curso de Biotecnologia, Claudinha como é conhecida, sumiu de dentro de casa, no bairro Três Vendas, na noite de 9 de abril, sem deixar rastro. Apesar da mobilização de familiares, amigos, colegas e alunos com campanhas em redes sociais, passeatas e até oferta de R$ 10 mil como recompensa por informações, não há sinal do paradeiro da professora.
Desaparecimento de professora da UFPel completa uma semana
A situação é completamente distinta dos 26 sumiços registrados a cada mês em Pelotas, a maioria deles de adolescentes com problemas mentais ou familiares ou mesmo envolvidos com drogas. Surpreendida, a Polícia Civil ainda não sabe o que aconteceu com Cláudia. O caso é investigado como desaparecimento, recheado de muitas dúvidas e uma certeza:
- Sequestro está descartado. Não teve pedido de resgate. No mais, está tudo em aberto. A polícia não mede esforços para resolver o caso - afirma, sem entrar em pormenores, o delegado Félix Fernando Rafanhim, da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos (DHD) de Pelotas.
Caminhada lembra desaparecimento de professora universitária
Parentes e amigos mais próximos de Cláudia desconfiam que ela foi tirada de casa por alguém, mas faltam provas para apontar um suspeito.
- Parece um sumiço bem arquitetado ou, ser for um delito, bem executado - observa o promotor de Justiça Guilherme Ribeiro Kratz, que acompanha o caso.
A polícia mantém três policiais trabalhando exclusivamente na apuração e solicitou ordens judiciais para algumas providências, as quais evita falar. Cerca de 15 pessoas prestaram depoimentos e outras 50 foram ouvidas informalmente, mas com poucas contribuições a dar.
Perícias já foram realizadas na casa e na caminhonete de Cláudia, e em mais três locais e em um outro carro - que chegou a ser apreendido. A polícia não detalha os resultados. Vestígios de anormalidades ou de crime não foram encontrados. A moradia da professora não tem sinais de arrombamento nem de luta corporal e tampouco marcas de sangue.
Primeira manifestação foi após uma semana do sumiço
Na noite em que sumiu, a professora tinha visitado uma amiga e, pelo registro do último telefonema, quando estaria dirigindo, demorou além do normal ao voltar para casa. Chegou perto das 23h30min, conforme a investigação, estacionou na garagem e entrou. No local, estava o único filho, de 21 anos, fruto do primeiro casamento, que dormia e não viu a mãe chegar. O atual marido estava em Porto Alegre para tratar de negócios.
A calça, a blusa e os chinelos que usava naquela noite ficaram no quarto dela, assim como brincos, anéis, pulseira, relógio e computador. Sumiram apenas a bolsa com celular, carteira e cartões bancários. Cerca de 85 horas de imagens de câmeras de vigilância instaladas no entorno da casa e no possível trajeto percorrido são analisadas, mas nada revelaram até agora. O celular segue desligado, e ninguém sacou dinheiro da conta de Cláudia. ZH procurou familiares, mas apenas a mãe aceitou falar.
Na UFPel, colegas e alunos desolados
O campus Capão do Leão da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde a professora Cláudia Pinho Hartleben trabalha como coordenadora do curso de Biotecnologia, vive dias de profunda tristeza e apreensão. Na primeira semana após o desaparecimento, mestres e alunos não conseguiram pegar nos livros. Foram suspensas atividades e necessário apoio psicológico ao grupo.
- Causou comoção muito grande. Ninguém tinha condições de entrar em sala de aula - afirma Odir Antônio Dellagostin, diretor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico, do qual faz parte o curso de Biotecnologia.
Colega de trabalho, Dellagostin mostra fôlder usado nas buscas a Cláudia
Foto: Gustavo Vara/Especial
Ele lembra que Cláudia, ex-aluna da UFPel e professora desde 2008, vive o melhor momento profissional e o último dia no campus foi de intensa alegria. Ela recebeu a notícia de que será professora homenageada por uma turma que concluirá o curso em janeiro.
Assaram churrasco e confraternizaram com direito a Cláudia vestir uma faixa sobre o peito. Além disso, ela soube que um artigo escrito em parceria com seis colegas será publicado em uma revista especializada em biotecnologia.
- Ela é muito presente, a vida dela está aqui. Tem uma relação que vai além de orientadora com os alunos. Faz questão de conversar sobre a vida, ajudar a resolver problemas - diz Bárbara Couto Roloff, 25 anos, aluna do mestrado.
A mesa no laboratório de imunodiagnóstico que Cláudia dirige está vazia, mas lembranças se espalham por todos os lados. A porta da sala tem um adesivo com nome dela, indicando a atividade que desempenha. O jaleco, impecavelmente branco, também personalizado, segue pendurado entre os dos demais alunos e pesquisadores.
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Bárbara lembra que o local foi ampliado recentemente, e Cláudia se empenhou para melhorar o ambiente, até rebocando e pintando paredes.
- Veio trabalhar até em final de semana. Terminou a reforma, mas ainda não conseguiu trabalhar no laboratório novo. Está muito difícil recomeçar - lamenta Bárbara.
Um dos trabalhos interrompidos é referente a uma pesquisa de anticorpos para diagnosticar doentes com leptospirose.
Os últimos passos
- Por volta das 18h, a professora Cláudia Pinho Hartleben, 47 anos, deixa o campus da UFPel em Capão do Leão, e volta com sua caminhonete Mitsubishi ASX para Pelotas, cidade vizinha, onde mora com a família.
- Voluntária do Lar Espírita Assistencial Irmão Fabiano de Cristo, ela visita três casas de pessoas doentes, orando pela saúde delas.
- Às 20h, a professora chega à casa da amiga Eliza Komninou, 34 anos, na zona norte da cidade. As duas conversam por mais de duas horas. Cláudia não demonstra preocupações.
- Perto das 22h30min, a professora se dirige para casa, no bairro Três Vendas. Às 22h43min, telefona para o marido, que está em Porto Alegre a negócios. O diálogo é normal, dura 14 segundos.
- Cláudia está no trânsito, na Avenida Dom Joaquim, a cinco minutos de casa, na Avenida Fernando Osório. Mas somente quase uma hora depois, por volta das 23h30min, é que a caminhonete dela chega à garagem. O irmão da professora, que mora com a mãe na casa ao lado, escuta barulho do motor.
- Cláudia entra em casa sem ser vista pelo filho de 21 anos que está dormindo, troca de roupa e desaparece. Somem também a bolsa com documentos, cartões e o celular.
Casa de Cláudia
Foto: Gustavo Vara/Especial
As dúvidas do caso
1. Por que Cláudia demorou quase uma hora para chegar em casa se, ao ligar para o marido, estava distante apenas cinco minutos de onde mora?
2. Se Cláudia foi atacada por alguém dentro de casa, como essa pessoa entrou, já que não há sinais de arrombamento, de desordem e de nem de luta corporal, e não teria chamado atenção dos quatro cães dela?
3. Se a professora foi vítima de um assaltante, por que o bandido não levou pertences dela como pulseiras, anéis e um computador que estavam sobre uma cômoda?
4. Se Cláudia foi sequestrada, por que não há pedido de resgate?
5. Mesmo com oferta de recompensa de R$ 10 mil pelo paradeiro da professora, por que não surgem informações?
6. Se o bandido pegou documentos e cartões de banco de Cláudia, por que ele não tentou sacar dinheiro da conta dela?
*De Pelotas