Um caso envolvendo a defesa de uma delegada de polícia em ação judicial opõe Ministério Público (MP) e Defensoria Pública no Rio Grande do Sul. O MP questiona o fato de seis defensores públicos terem representado a policial em um processo no qual é acusada de não cumprir suas funções. A pedido do MP, a Justiça abriu ação civil pública contra os defensores.
A polêmica começou em agosto de 2012, quando a delegada Ana Luíza Caruso se negou a prender em flagrante suspeitos de tráfico detidos durante uma operação do MP com o apoio da Brigada Militar. Por esse motivo, ela passou a responder a uma ação civil pública. Um dos autores do processo contra Ana Luíza, o promotor Nilson Rodrigues Filho afirma que ela não realizou as prisões por considerar a ação do MP ilegal. No Brasil, MP e Polícia Civil vivem uma disputa em torno de qual instituição tem o poder de investigar.
Procurada por ZH, Ana Luíza diz que foi representada por defensores em parte da ação porque o estatuto dos servidores da Polícia Civil prevê assistência judiciária custeada pelo Estado quando o policial for processado por ato praticado no exercício de suas funções. Segundo ela, as prisões não foram efetuadas porque os suspeitos eram réus primários, e não por disputa corporativista. A ação do MP, conforme a delegada, não foi aceita pela Justiça.
A Defensoria Pública acabou envolvida na controvérsia ao assumir a defesa da delegada na ação patrocinada pelo MP. Para Rodrigues, Ana Luíza teria condições de contratar advogado e já contava com o suporte de um profissional. Além disso, sugere que a "a Defensoria comprou a briga da impossibilidade do MP investigar".
- A Defensoria está instituída no Brasil para atendimento das pessoas carentes. Qualquer atendimento fora dessa hipótese caracteriza descumprimento da Constituição, o que é uma ilegalidade - afirma o promotor.
São alvo da nova ação do MP o defensor público-geral, Nilton Leonel Arnecke Maria, e outros cinco defensores: Jaderson Paluchowski, Miguel Seadi Júnior, Alessandro Genaro Soares Lima, Felipe Kirschner e João Otávio Carmona Paz.
A Defensoria contesta a posição do MP. Conforme a subdefensora pública-geral, Luciana Pereira Kern, 500 mil pessoas foram atendidas pela instituição em 2014, sendo 99% dos casos de pessoas que recebem até três salários. O restante corresponde a situações de vulnerabilidade - envolvendo defesa de homossexuais, negros e vítimas de violência doméstica.
Advogado dos seis defensores públicos, Henrique Poeta Roenick afirma que irá recorrer, mas lembra que a decisão da Justiça apenas dá inicio ao processo. Segundo ele, a alegação do MP de que a delegada foi procurada pelos defensores é "inverídica". Roenick ressalta que, mesmo delegada tendo condições de pagar um advogado, em razão da pressão que ela supostamente estaria enfrentando por parte do MP, a Defensoria "não só poderia como deveria" atendê-la.
Questionado, Rodrigues disse que "não havia pressão nenhuma".
Entenda o caso
- Em agosto de 2012, o MP instaurou inquérito civil para apurar a conduta da delegada Ana Luiza Caruso, da 3ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA). Ela havia se negado a prender em flagrante oito suspeitos de tráfico, detidos durante uma operação do MP com o apoio da Brigada Militar.
- Durante as investigações, a delegada passou a ser representada pelo defensor público João Otávio Carmona Paz, que apresentou declaração de vulnerabilidade e de hipossuficiência organizacional. Conforme o MP, em depoimento, Ana Luiza informou que estava sendo assistida por um advogado, quando foi procurada pela Defensoria Pública.
- Em dezembro, o MP propôs uma ação civil pública contra os defensores, já que a delegada "não se enquadraria no conceito de necessitado".
- Nesta semana, no despacho de recebimento da ação, a juíza Silvia Muradás Fiori afirmou haver indícios suficientes contra os defensores e determinou a citação dos demandados.