Ao final de uma das reu­niões que antecederam a aprovação do plano de carreira do magistério, em 1974, Nayr Tesser ouviu da fundadora do Clube do Professor Gaúcho, histórica entidade social da categoria, uma previsão que jamais esqueceu.
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- Saímos da sala, e olhei para a Thereza Noronha. Ela disse: "Nayr, isso foi o que conseguimos fazer. No futuro, ainda seremos as responsáveis por mudar" - recorda a aposentada, em referência ao plano que ajudaram a construir.
À época, Nayr era docente no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o Julinho, em Porto Alegre. Thereza estava à frente da Confederação de Professores do Brasil e já havia presidido o Centro dos Professores do Estado (Cpers). Era uma autoridade. Morreu em 1983, e a sua profecia nunca se cumpriu. Passadas quatro décadas, o estatuto continua exatamente o mesmo. É o mais antigo em vigência entre os Estados brasileiros, o único anterior à Constituição de 1988.
Sem nunca ter sido atualizado, tornou-se um dos motivos pelos quais o Palácio Piratini descumpre a lei do piso nacional da categoria, aprovada em 2008. Ao mesmo tempo, é considerado um patrimônio pelo Cpers, por garantir a progressão profissional, assegurar direitos e estimular a qualificação. Mas o consenso em torno dele quase nunca foi regra.
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Contemporâneo de Nayr, Júlio Cezar Boeira, 75 anos, lembra de ter ficado preocupado quando soube do projeto em elaboração na década de 1970. Ligado ao Julinho, o mestre reuniu um grupo de colegas e exigiu audiência na Secretaria de Educação (SEC). Em plena ditadura, a interferência causou furor.
- O plano não foi conquista. Foi enfiado goela abaixo - diz Boeira.
Aos 89 anos, o coronel Mauro Costa Rodrigues discorda. Secretário de Educação à época, o oficial diz que houve diálogo e se orgulha do resultado.
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- Os professores finalmente passaram a ter uma carreira, e ela serviu de modelo a outros Estados. Não tiro a razão do Cpers por temer mudanças - pondera.
Em 1975, 61% dos educadores da rede estadual careciam de formação superior. Hoje, 85% estão nos últimos degraus da trajetória profissional, com graduação e pós. O plano funcionou.
Mas hoje tem pontos defasados e inviabiliza o pagamento do piso por conta da estrutura da carreira. Como a maioria dos docentes já atingiu os níveis mais altos, sempre que o básico aumenta, o resultado é uma avalanche nas finanças públicas.
O efeito-cascata faz com que um reajuste aparentemente pequeno se transforme em uma cifra impagável, estimada em R$ 3 bilhões ao ano.
- Infelizmente, faltam recursos. Sem um novo contrato, não vejo saída - resume o secretário da Fazenda, Giovani Feltes.
Impasse alimenta passivo de R$ 10 bilhões
Professor da UFRGS, Juca Gil integra um projeto de pesquisa nacional sobre o assunto e está do lado do Cpers. Segundo ele, a maioria dos Estados que mexeram em seus planos acabou achatando salários:
- O plano do RS é anacrônico, mas garante condições de trabalho melhores do que os novos. Quando se abre a porteira, não tem como passarem apenas dois bois.
O potencial explosivo faz do tema um tabu. De um lado, o governo diz não ter dinheiro. De outro, o Cpers teme retrocessos. Enquanto o impasse se arrasta, o Estado acumula passivo de mais de R$ 10 bilhões por não pagar o piso desde 2011, e a dívida com os professores tende a crescer ainda mais.
A ESTRUTURA DA CARREIRA
O plano divide a carreira em seis níveis e seis classes. A ascensão profissional dos educadores se dá nas duas dimensões.