Por uma diferença de 57 votos (267 contrários e 210 a favor), a Câmara de Deputados rejeitou, na noite desta terça-feira, um dos pontos mais polêmicos da reforma política: o sistema eleitoral distritão. O modelo havia sido proposto pelo relator, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e propunha eleger os deputados e vereadores mais votados, no voto majoritário, como ocorre para eleição de senadores.
Antes de o distritão entrar em pauta, a Câmara rejeitou outros dois sistemas eleitorais: o voto em listas fechadas, no qual o eleitor vota em lista predeterminada pelo partido, e o distrital misto, que é uma mistura do sistema proporcional e do majoritário.
Devido à ampla orientação no painel eletrônico contra a emenda do deputado Domingos Neto (Pros-CE) à PEC da reforma política (182/07) sobre o distritão misto, os partidos a favor dessa sistemática desistiram da emenda. Neste sistema eleitoral misto, deputados e vereadores seriam eleitos metade da bancada pelo sistema majoritário e metade pelo sistema proporcional. Assim, a Câmara manteve o modelo atual, com o sistema proporcional, que leva em conta os votos recebidos individualmente pelos candidatos de um partido e os recebidos pela legenda. Esses votos são usados para um cálculo de quantas vagas cada partido conseguirá preencher.
A sessão avançou pela noite, com o começo da discussão sobre o tema financiamento de campanha. O primeiro texto a ir à votação foi a emenda do deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), que visava permitir o financiamento da campanha por pessoas físicas e jurídicas para os partidos e os candidatos, dentro de limites máximos de arrecadação e gastos de recursos - uma lei complementar definiria os limites máximos de arrecadação e gastos. A emenda também foi rejeitada, por 264 votos a 207 e quatro abstenções.
Essa proposta tornaria constitucional a permissão para as empresas financiarem as campanhas políticas. Ela tinha como intenção barrar a inclinação do Supremo Tribunal Federal de proibir a prática. Um julgamento sobre proibição de doações de empresas privadas para campanhas políticas foi interrompido em abril do ano passado, por um pedido de vista de Gilmar Mendes, quando o placar era de seis votos a um pelo fim de doações de empresas a candidatos e partidos políticos. O texto da reforma política também contém outros itens, como o possível fim da reeleição (veja todos os pontos no fim da reportagem). As votações continuam em sessão extraordinária marcada para as 12h desta quarta-feira.
Assim, outras propostas sobre o modo de financiamento das campanhas poderão ser votadas, como aquela que permite a doação apenas de pessoas físicas. Se essa também não conseguir 308 votos, ainda poderá ser analisada emenda que propõe o financiamento público exclusivo.
Defensor do distritão, Cunha afirmou, antes do início da votação do sistema, que caso a Câmara não aprovasse nenhum modelo de reforma política, significaria "votar o modelo de hoje, uma decisão que a Casa tem de assumir a responsabilidade". Cunha disse ainda que cumpriu "rigorosamente" a promessa de votar a reforma política com todos os modelos propostos.
O PT se manifestou contra o distritão. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) disse que o sistema agrava os problemas de representação atuais e enfraquece os partidos políticos.
- É um retrocesso. Até 1945, o Brasil tinha esse sistema de voto majoritário para deputados e acabou porque ele era ultrapassado - disse, acrescentando que o sistema também encarece as campanhas.
Já o relator, Rodrigo Maia, disse que o sistema proporcional, em vigor atualmente, torna os candidatos a deputados e vereadores dependentes do endosso de governadores e prefeitos, o que acaba com a oposição. Ele reconheceu, no entanto, que o modelo proposto não é o ideal.
- Não há modelo perfeito e nós vivemos uma democracia. Salto no escuro é atravessar o Atlântico e achar que repetir a Alemanha, a Inglaterra, não é dar um salto no escuro - afirmou.
Ele ressaltou que os partidos sairão fortalecidos com a diminuição de candidatos que o sistema majoritário vai proporcionar. Maia ainda rebateu os argumentos de que o modelo proposto só é aplicado atualmente no Afeganistão e na Jordânia. Segundo ele, o nosso sistema proporcional com voto aberto só existe no país.
- Não há modelo perfeito, em todos os países os políticos estão criticando o seu modelo. Só tenho uma certeza: o sistema proporcional aberto inviabiliza a política no Brasil - disse.
O modelo também foi defendido pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR). Para ele, o distritão é o único modelo que tem a possibilidade de ser aprovado em Plenário.
- É uma inovação, mas é uma resposta à necessidade de alterarmos alguma coisa do processo eleitoral - argumentou.
O líder do PSOL, deputado Chico Alencar (RJ), por outro lado, disse que o voto majoritário fortalece o personalismo e vai piorar a política.
- Aprovar esse sistema majoritário individualista, que mata a ideia de solidariedade partidária, é colocar no alto do trono da política brasileira o cada um por si, a campanha rica, o partido como um mero carimbador - criticou.
Em vídeo, Carolina Bahia comenta o que está em jogo na votação:
Veja quais itens propostos pelo relator que ainda precisam ser votados:
- Modelo de financiamento misto: partidos políticos poderão receber doações de pessoas físicas (eleitores) e jurídicas (empresas). Uma lei deverá estabelecer os limites máximos de arrecadação e gastos de recursos para cada cargo eletivo. As doações deverão ser feitas para os partidos, e não para os candidatos. A proposta, porém, não prevê limites dos valores que poderão ser doados por empresas e pessoas, cabendo a regulamentação a uma nova lei.
- Fim das reeleição: o relatório apresentado acaba com a reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República, que só terão direito a um mandato de quatro anos. A regra não vale para os prefeitos eleitos em 2012 e para os governadores eleitos em 2014. Ou seja, esses poderão disputar a última reeleição do País.
- Unificação das eleições: as eleições municipais e gerais, pelo texto de Rodrigo Maia, serão unificadas em 2022. Nesse ano, prefeitos e vereadores eleitos terão apenas dois anos de mandato.
- Cláusula de desempenho: o novo relatório afrouxa a cláusula de barreira prevista pelo parecer da Comissão Especial, que estabelecia que só teriam direito a fundo partidário e tempo de rádio e TV os partidos que obtivessem no mínimo 2% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de 1% do total de cada um deles. Agora, os partidos precisam eleger apenas um representante na Câmara ou no Senado para conseguir os benefícios.
- Limite nas normas do TSE: a aplicação de atos normativos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só terão efetividade 18 meses após a publicação. Também prevê janelas para desfiliação partidária de políticos sem a perda de mandato ou penalidades em tempo de televisão e fundo partidário.
- Fidelidade partidária: o texto permite uma janela de 30 dias para troca de partido a partir da promulgação da PEC. Depois disso, o político que se desligar do partido pelo qual foi eleito perderá o mandato. Nesses casos, o presidente do Legislativo empossará o suplente ou o vice no prazo de dez dias.
- Posse presidencial: o texto de Rodrigo Maia determina que o presidente e o vice-presidente da República não serão mais empossados no dia 1º de janeiro, feriado, mas no primeiro dia útil de janeiro. O texto não faz menção à posse de prefeitos e governadores.
- Voto facultativo: se aprovado o texto, apenas o alistamento é obrigatório para maiores de 18 anos, sendo facultativo para analfabetos e maiores de 60 anos e para maiores de 16 e menores de 18 anos. Atualmente, essas regras também valem para o voto.
- Suplência de deputado e senado: foi incluído na lei um parágrafo em que é dito que, no caso de vaga ou licença superior a 120 dias, será convocado o suplente mais bem votado.
* ZH com agências