Durante o governo Tarso Genro (PT), o então deputado estadual Giovani Feltes (PMDB) foi um dos mais ferrenhos críticos do uso dos depósitos judiciais. Ao assumir a Secretaria da Fazenda, em janeiro, acabou seguindo a mesma receita - que outrora também fora criticada pelos petistas. Até agora, sacou R$ 640 milhões. Isso ocorreu, segundo ele, devido ao excesso de gastos dos antecessores e da falta de alternativas para fazer frente à crise financeira. O dinheiro foi usado para pagar uma parcela da dívida com a União e honrar a folha do funcionalismo.
O PMDB sempre criticou o ex-governador Tarso Genro pelo uso dos depósitos. Não é um contrassenso?
Não gostaríamos de usar deste expediente para poder pagar as contas, mas não nos restou alternativa. O problema é que houve aumento excessivo de gastos, e os depósitos foram usados para cobrir esse exagero. Essa era a crítica que se fazia. O governo Yeda deixou um estoque, uma espécie de cheque especial para situações de emergência. Só que o uso que se deu a esse cheque acabou levando a uma realidade ainda pior.
Como o governo do Estado se socorre com saques dos depósitos judiciais
Em que sentido?
Os depósitos não foram utilizados para resolver problemas estruturais, mas para empurrar os problemas com a barriga. O resultado é que hoje o Estado está dependente deles e, ao mesmo tempo, intoxicado por eles. É ruim usar? Sim, mas é um mal menor frente ao problema que se criou.
O governo pretende levar adiante a proposta de ampliar o limite de uso para 90%?
É muito provável. Mesmo achando que não é o mais adequado, o fato é que não temos saída. Aumentar o teto em 5% significa por volta de R$ 500 milhões a mais por ano. Meu déficit mensal é de cerca de R$ 450 milhões. Isso me resolveria um mês.
Mas, este ano, o peso do juro será maior do que o dinheiro disponível. Vale a pena?
Não é nem questão de valer a pena. É que, mesmo se eu não sacar, o Estado vai continuar pagando juro. Os juros recaem sobre o todo, sobre os R$ 8,3 bilhões já sacados. Mesmo se eu não fizer nada, no fim do ano vou ter de pagar R$ 1 bilhão.
Se o limite for ampliado para 90%, pode faltar dinheiro para o pagamento de sentenças?
É muito difícil isso acontecer. Estatisticamente, o risco é zero. O ingresso de recursos é sempre maior do que as saídas, que representam uma média de R$ 20 milhões por dia. Isso equivale a menos de 1,5% do fundo de reserva, que hoje tem R$ 1,5 bilhão.
COMO FUNCIONA O SISTEMA
Desde 2004, o governo do RS é autorizado por lei a pegar emprestados os depósitos judiciais. Ou seja: passou a usar o dinheiro de terceiros para financiar seus déficits.
1) O sistema funciona como uma caixa d'água, alimentada por uma tubulação e ligada a duas torneiras.
2) Pela tubulação, entram os depósitos que, todos os dias, se acumulam no reservatório.
3) Sempre que precisa, o governo pode abrir um dos registros e usar até 85% do estoque, desde que pague juros sobre os saques (12,75% ao ano, equivalente a R$ 80 milhões mensais).
4) Os 15% restantes não podem ser retirados, para garantir que os valores das ações sigam escoando pela outra torneira (para pagar as sentenças).
Quanto o Judiciário ganha com o sistema
- Todo o mês, o Fundo de Reaparelhamento do Judiciário recebe a diferença entre os juros pagos pelo Estado e a correção dos depósitos pela poupança.
- Isso equivale a mais de R$ 40 milhões mensais. Desde 2004, o valor chegou a R$ 1,5 bilhão.
- O dinheiro vem sendo usado para melhorar a estrutura do Judiciário, com novos prédios e equipamentos e para pagar advogados dativos (desginados para defender réus onde não há defensores públicos).
- O mecanismo é questionado pelo Supremo Tribunal Federal.