Ao mesmo tempo que investigações da Polícia Federal revelam os desvios bilionários envolvendo a Petrobras, acionistas minoritários do Rio Grande do Sul tentam reaver parte do valor que perderam com o recuo no preço da ações. Pelo menos uma dezena de processos já foram apresentadas à Justiça contra a estatal, a União e até contra a empresa responsável por verificar os balanços da petroleira.
Apesar de a bolsa de valores ser considerada um investimento de risco, a justificativa é de que o esquema de corrupção dentro da companhia prejudicou a rentabilidade dos rendimentos e reduziu a distribuição de lucros.
- A Petrobras inflou o valor dos contratos e mentiu nas declarações oficiais para esconder indícios de corrupção. Os balanços fraudados para dissimular o pagamento de propina e a lavagem de dinheiro induziram os acionistas ao erro. Muitos deles são pessoas humildes, que investiram os recursos do fundo de garantia - afirma o advogado Marco Antônio Borba, responsável por cinco processos em Santa Cruz do Sul.
Entre os acionistas que tentam reaver parte dos prejuízos, está Cláudio Spengler que estima que possa perder mais de R$ 100 mil. O empresário comprou ações quando custavam R$ 32,50 em 2011. Três anos depois, valem R$ 9,99, redução de quase 70%.
- Antes eu investia em várias companhias. Agora não quero mais saber. Quis aplicar o dinheiro e só perdi. Tirei o homebroker (sistema que possibilita a negociação de ações por meio da internet) da minha mesa e decidi focar no trabalho. A decepção é muito grande - afirma Spengler.
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Outro investidor, que prefere não se identificar, registra redução percentual ainda maior. Comprou R$ 70 mil em ações da estatal em um momento em que valiam R$ 42 cada. Renan Müller de Bastos, advogado que representa cinco investidores em Porto Alegre, lembra que as perdas não são relativas apenas ao valor das ações:
- Vamos pedir o recálculo do valor dado como dividendo. Por lei, as companhias são obrigadas a distribuir pelo menos 25% do lucro líquido aos acionistas. Mas, se esse lucro foi reduzido devido a desvios, a quantia precisa ser revista.
Nos EUA, investidores apostam em ação coletiva e bilionária
Não foram apenas acionistas brasileiros, investidores americanos que compraram ações da Petrobras na Bolsa de Nova York também foram à Justiça tentar recuperar parte das perdas geradas pela queda no valor de mercado da companhia.
Diferentemente do Brasil, no entanto, nos Estados Unidos, os investidores têm optado por ajuizar ações coletivas para pedir ressarcimentos. Em vez de levar em conta quando cada um dos reclamantes comprou o papel, os processos levam em consideração as perdas acumuladas apenas nos últimos cinco anos. Pela lei americana, se alguma dessas ações coletivas receber reparação todos os investidores, mesmo aqueles que não acionaram a empresa, terão direito a indenização.
- Nos Estados Unidos, a Petrobras não é alvo de ação por causa do esquema de corrupção, mas por não ter cumprido normas de proteção aos acionistas, como pagar 10 vezes mais por uma refinaria, por exemplo - explica o advogado Luciano Timm, especializado na implantação de códigos de compliance (colocar uma companhia em conformidade com leis e regulamentos externos e internos).
As ações de classe, como são conhecidas, são bastante comuns nos EUA, e há escritórios especializados nisso. Pelo menos 10 fundos de investimento brasileiros que negociavam na bolsa americana também aderiram ao processo coletivo, cada um deles alegando ter perdido, em média, US$ 50 milhões.
Detentores de ações preferenciais e ordinárias da Petrobras negociadas na Bovespa não podem virar parte no processo porque as decisões da Justiça americana só valem para papéis negociados lá.
Auditoria também na mira
Não é só a Petrobras e a União que estão na mira dos investidores. A PricewaterhouseCoopers (PwC), empresa responsável por validar a contabilidade da estatal desde 2001, também será alvo de ação na Justiça estadual. O motivo seria a auditoria ter falhado no seu propósito e não indicar nenhuma anormalidade nos balanços mesmo com os desvios bilionários que estavam acontecendo na petrolífera. No fim do ano passado, após a deflagração da Operação da Lava-Jato, a PwC se negou a assinar o balanço do terceiro trimestre de 2014 da estatal.
Por lei, as empresas de auditoria são obrigadas pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Conselho Federal de Contabilidade a fazerem ressalvas nos relatórios caso tenham encontrado anomalias e incongruências na contabilidade.
- Os desvios eram bilionários e nenhum contador percebeu? Era muito dinheiro para ninguém perceber- argumenta o advogado Renan Müller de Bastos.
Como a compra de ações é considerado um investimento de risco, não é muito comum que investidores procurem a Justiça para recuperar eventuais perdas. Um exemplo recente envolveu a petroleira de Eike Batista. Quando a OGX foi à bancarrota, centenas de acionistas minoritários entraram com processos para reaver parte do dinheiro. Até o momento, não houve definição sobre a questão, que deve parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Diferentemente da Petrobras, que tem um grande patrimônio, a empresa de Eike conta com recursos limitados para pagamento de indenizações.