Um dia depois de mostrar a venda ilegal de apartamentos do Minha Casa, Minha Vida no Bairro Restinga, na Capital, o Diário Gaúcho expõe um problema que afeta usuários do programa do governo federal: a má qualidade dos imóveis entregues. É o caso do Condomínio Altos da Figueira, no Jardim Nossa Senhora Aparecida, em Alvorada.
Viver no local tornou-se um martírio para as 396 famílias instaladas no local há exatamente três meses - hoje outras 104 assinarão os contratos dos quatro prédios restantes. Pelo menos 21 dos 25 blocos com cinco andares, espalhados numa área de quatro hectares, apresentam problemas que vão desde rachaduras no chão e no teto a cascatas pelas paredes em dias de chuva.
>>> Confira no vídeo a situação dos imóveis:
O condomínio faz parte do programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, e foi destinado a famílias com renda até R$ 1,6 mil. Inaugurada em outubro do ano passado, com a presença de dois ministros, a obra levou cinco anos para ser concluída, passou pelas mãos de duas construtoras e custou R$ 28,3 milhões.
O Diário Gaúcho foi ao local e ouviu o dilema de quem sonhava com a casa própria e acabou entrando num pesadelo que ainda não terminou.
>>> Moradias do Minha Casa, Minha Vida são revendidas em Porto Alegre
Reclamações o dia inteiro
Síndica eleita em novembro, Jaqueline Moreira Lima, 48 anos, moradora do bloco M, aumenta a cada dia a lista de reclamações que chegam dos vizinhos. Uma das principais é a falta de iluminação pública dentro do condomínio. Não há iluminação nos estacionamentos entre os prédios.
- Só temos problemas por aqui. Quando os novos moradores chegarem perceberão que isso aqui é uma bomba-relógio - alerta.
Indignada com a falta de respostas para os problemas, Jaqueline e os outros moradores ameaçam ingressar na Justiça para resolver as questões.
Jaqueline Moreira Lima, síndica, mostra que não há iluminação pública
Rachaduras e buracos abertos
Pelos corredores R, S, T e U é possível ver os fios de energia elétrica expostos nas caixas sem tampas. Quando chove, moradores reclamam de choques nos corrimões das escadas e das janelas.
Vivendo no terceiro andar do bloco U, o auxiliar de produção Cláudio Renato da Silva Faleiro, 46 anos, mudou-se em 29 de novembro e menos de um mês depois começou a ver rachaduras no teto. Por elas, escorre a água que cai do quarto e do quinto andares quando chove.
- Na chuva do final de ano, faltou balde para aparar as goteiras - conta Cláudio.
Cláudio Renato da Silva reclama que chove dentro do apartamento
Rampas de acesso
Para ter acesso ao condomínio, a cadeirante Sirlei Terezinha Feijó Bianchi, 59 anos, precisa cruzar uma rampa de quase 100m e com dez curvas estreitas, em descida. O problema, garante, são as barras de apoio que já estão enferrujadas e caindo. Para não se machucar, prefere fazer o trajeto errado - pela via dos carros - com a ajuda da filha Thaís, 30 anos. Hoje, são três cadeirantes no condomínio, mas outros dois passarão a morar no local nos próximos dias.
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Técnicos analisarão a obra
De acordo com o presidente da LBF Construtora, Luiz Franke, a primeira empresa a executar o empreendimento faliu quando faltavam 5% para as obras serem concluídas.
- Tivemos que refazer diversos trabalhos. Reconhecemos que a área poderia ser mais iluminada, mas seguimos o projeto aprovado pela prefeitura e pela Caixa. Sobre os choques, a questão elétrica foi resolvida no final do ano passado e não recebi mais nenhuma reclamação - afirma.
Quanto às chuvas dentro dos prédios, Luiz afirma que, ao instalarem antenas parabólicas, os instaladores deixaram telhas soltas que causaram o problema. Logo, é um problema do condomínio.
- Sobre as rachaduras no teto, sempre existirão estas juntas pois são lajes unidas e que não são rachaduras. Mesmo assim, determinei que o engenheiro da obra fosse ao local ainda hoje (ontem) para averiguar as reclamações - finaliza Luiz.
Um representante da Caixa esteve no local na tarde de quinta-feira (22) para conferir as reclamações. A assessoria de imprensa divulgou um comunicado relatando quais as providências que serão tomadas:
"Com relação às questões apontadas no residencial Altos da Figueira, a Caixa Econômica Federal informa que enviará equipe técnica ao empreendimento para verificação na próxima semana. A CAIXA ressalta que criou o Programa De Olho na Qualidade como medida para ampliar o atendimento aos beneficiários do Minha Casa Minha Vida. Por meio do telefone 0800.721.6268, os beneficiários podem registrar reclamações sobre problemas nos imóveis. Formalizada a reclamação, a CAIXA acionará imediatamente a construtora para que sejam tomadas as providências cabíveis. Caso os reparos não sejam efetuados, a construtora, seus sócios, dirigentes e responsáveis técnicos serão incluídos em um cadastro restritivo interno, impedindo-os de efetuar novas contratações com o banco. A CAIXA contratará a solução, por meio de outra empresa, além de acionar a construtora na justiça para o ressarcimento dos custos. A ligação é gratuita e o canal funciona diariamente, 24 horas por dia".
Prefeitura diz acompanhar o caso
A prefeitura de Alvorada informa que está acompanhando a entrega dos apartamentos em reuniões sistemáticas com os moradores e a equipe técnica da Caixa Econômica Federal. Os temas abordados estão sendo tratados nas reuniões de condomínio que tem a participação direta da equipe técnica da Caixa, que é responsável pelas questões apresentadas. A instalação do novo condomínio tem a participação da prefeitura em diversas frentes de trabalho, que tem por objetivo criar as condições estruturais de serviços públicos nas áreas da saúde, educação, cultura, meio ambiente, urbanismo, segurança e assistência social.
Tem início o pente-fino na Tinga
Depois de a reportagem da Rádio Gaúcha flagrar a venda ilegal de imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida, a prefeitura de Porto Alegre e a Caixa Econômica Federal deram início, na manhã de ontem, à operação pente-fino nos contratos do programa federal.
A lista de beneficiários dos quatro condomínios da Restinga - Jardim do Paraíso, Recanto do Guerreiro, Ana Paula e Guerreiro - já foi encaminhada pela Caixa ao Demhab, que fará o cruzamento de dados para verificar se as famílias seguem morando nos imóveis. Segundo o diretor-geral do órgão, Marcos Botelho, uma das formas de se chegar ao objetivo é conferindo as contas das residências.
- No momento que a pessoa entra no imóvel, ela transfere o seu nome para conta de água, luz, telefone. A prefeitura tem diversos bancos de dados disponíveis e queremos verificar se esses nomes conferem com as residências, ou não - explica.
Se alguma irregularidade for encontrada, os moradores serão notificados e a Caixa deve entrar com pedido de reintegração de posse. Marcos ainda garante que o departamento estuda formas de aperfeiçoar o processo de cadastramento das famílias, para que pessoas que adquiriram imóveis de forma irregular e que já possuam uma casa, possam ser identificadas.