Sob o comando da procuradora Fabrícia Boscaini, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) desencadeou uma ofensiva contra um mal que corrói as finanças estaduais há anos. Ao longo de 2014, Fabrícia e um grupo de colegas identificaram 65 ações judiciais suspeitas, que tentavam obter recursos superiores a R$ 6,5 milhões do Estado para cirurgias emergenciais de coluna. Os procedimentos, que agora serão investigados pela Polícia Civil, envolviam a colocação de próteses.
Nesta terça-feira, a procuradora recebeu ZH na sede do órgão, na Capital, e falou sobre o trabalho. Disse que o total de casos ainda é desconhecido, assim como o impacto das supostas irregularidades nos cofres públicos. Mas citou caso em que o gasto com material cirúrgico foi 95% menor do que o orçamento incluído no processo contra o Estado.
- De 2013 para cá, passamos a perceber aumento nos valores orçados em petições. A partir daí, ampliamos o controle e fechamos o cerco - disse Fabrícia.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista e confira os detalhes da investigação.
Fraude provoca cirurgias desnecessárias para superfaturar próteses
A investigação
Os procuradores começaram a suspeitar da fraude ao longo do último ano, quando o Estado e o Instituto de Previdência (IPE) foram alvo de dezenas de ações judiciais semelhantes, uma atrás da outra. Os processos envolviam demandas por cirurgias de coluna:
- As ações pareciam ser produzidas em série, o que na saúde é estranho, porque cada paciente tem uma peculiaridade. Isso nos alertou. Não trabalhamos só para impedir tentativas de superfaturamento e prejuízos ao erário, mas para evitar que pessoas sejam lesadas e melhorar o SUS.
Origem suspeita
Foram identificadas 65 ações suspeitas - 34 ajuizadas contra o Estado e 31 contra o IPE. Todas tinham laudos médicos parecidos, assinados pelos mesmos profissionais, e partiam de dois escritórios de advocacia.
Os orçamentos dos materiais cirúrgicos eram das mesmas fornecedoras de próteses, acima de R$ 100 mil. Das 65 ações, a maioria foi na Capital (18), em Canoas (14) e em Gravataí (11).
Cirurgia cara
Entre as ações com valor mais elevado está a de uma jovem de 19 anos, moradora de Gravataí, diagnosticada com uma lesão na coluna. No processo, o advogado da paciente apresentou orçamento de R$ 311,4 mil ao Estado, só em material cirúrgico. Ao avaliar o processo, o Tribunal de Justiça determinou que o procedimento deveria ser feito pelo SUS. O caso está sendo acompanhado pela procuradoria.
- Valores como esse chamaram muito a nossa atenção. Não somos especialistas em cirurgia de coluna e não podemos afirmar que os profissionais envolvidos agiram de forma fraudulenta, porque isso cabe à investigação da polícia, mas não pareceu possível um procedimento custar tão caro. Era gritante - enfatiza Fabrícia.
Caso a caso
A Procuradoria-Geral do Estado encaminhou as suspeitas para a Polícia Civil no fim de 2014. Agora, os agentes irão investigar cada um dos 65 casos. Se as irregularidades forem confirmadas, os responsáveis responderão na Justiça:
- Nosso objetivo, a partir de agora, é resgatar todos os processos e, com a ajuda da Secretaria Estadual da Saúde, verificar a situação dos pacientes. Queremos garantir que eles não fiquem sem atendimento.
Ela também destaca que a meta é fazer um trabalho de conscientização no Judiciário para que juízes não aceitem mais ações fundamentadas apenas no laudo do médico do paciente:
- É fundamental exigir uma segunda opinião.
Apenas o começo
Para a procuradora, as suspeitas são só "a ponta de um iceberg". Em 2012, o caso de uma moradora de Porto Alegre de 72 anos alertou sobre a discrepância dos valores demandados judicialmente.
Para uma cirurgia de coluna, a ação ajuizada contra o Estado pedia R$ 131,4 mil em material. Como a decisão demorou, a própria paciente informou, meses depois, ter optado pagar o procedimento. E o custo do material não passou de R$ 6,3 mil.
Insistência
Fabrícia lembra que o Estado às vezes é acusado de "emperrar" demandas na saúde. E desabafa:
- Infelizmente, ainda há uma visão de que o Estado só quer emperrar a vida das pessoas. Não é isso que queremos. Muita gente está sendo lesada, não pelo Estado, por não prestar atendimento, mas pelo outro lado. É frustrante quando a gente tenta, tenta, tenta e não tem um resultado positivo, mas o fato de sermos ouvidos e de essa verdade vir à tona é muito importante.