Falhas nas políticas públicas para a prevenção do HIV podem estar prejudicando o progresso da luta mundial contra a aids. Em um comunicado emitido nesta sexta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou sobre os altos números de casos de contaminação nas chamadas populações-chave - homens que fazem sexo com outros homens, prisioneiros, profissionais do sexo, transexuais e usuários de drogas injetáveis - no mundo e destacou a importância de retomar campanhas de prevenção do vírus específicas para esses grupos.
Junto ao alerta, a OMS divulgou novas diretrizes que os países podem adotar para reduzir o número de novos casos de infecção por HIV. Entre elas, pela primeira vez a organização "recomendou fortemente" que os homens que mantêm relações sexuais com outros homens considerem tomar medicamentos antirretrovirais de forma preventiva como uma forma extra de se proteger, ao lado do uso de preservativos.
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Há poucos meses, as autoridades de saúde americanas já haviam feito a mesma recomendação. Esse tipo de tratamento, chamado profilaxia pré-exposição - ou PrEP -, consiste em pessoas que não têm o HIV, mas correm alto risco de serem infectadas, tomarem regularmente uma combinação de dois comprimidos antirretrovirais. Segundo a OMS, essa medida pode diminuir o risco de contágio entre 20% e 25%, ou seja, evitar "1 milhão de novas infecções neste grupo em 10 anos".
Conforme a organização, os cinco grupos-chave apresentam um maior risco de se infectar com o vírus HIV, que causa a aids, mas são os menos propensos a adotar medidas preventivas, a realizar testes e a buscar tratamento. Além de serem vítimas de preconceito social, muitas vezes esses grupos acabam desassistidos pelas políticas públicas de saúde, que tendem a realizar campanhas direcionadas à população em geral, alertou Gottfried Hirnschall, diretor do departamento de vírus da imunodeficiência humana (HIV) da OMS.
Estudos recentes estimam que prostitutas são 14 vezes mais propensas a adquirir o HIV do que outras mulheres, os homens homossexuais, 19 vezes mais do que a população em geral, e os transexuais têm quase 50 vezes mais probabilidade do que os outros adultos de ter HIV. Para os usuários de drogas injetáveis, os riscos de infecção podem ser 50 vezes maiores do que na população em geral.
Enquanto alguns países já adotaram essa estratégia, no Brasil ela ainda não é recomendada pela rede pública de saúde, pois estudos em andamento no Rio de Janeiro e em São Paulo estão avaliando o grau de sucesso que esse tipo de estratégia pode apresentar por aqui. Entre outras questões estão sendo avaliadas a frequência com que os participantes tomam o remédio e a forma como encaram as outras formas de proteção.
Atualmente, o que é oferecido pela rede pública de saúde são tratamentos de profilaxia pós-exposição, recomendados às pessoas que tiveram relações desprotegidas e que podem ter sido expostas ao vírus, explica o infectologista Eduardo Sprinz, professor do Departamento de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Nesses casos, a pessoa toma o antirretroviral por 28 dias após ter tido relação sem estar protegida.
Definição de grupos pode representar retrocesso
Mais de 30 anos após a pandemia da doença, as diretrizes e campanhas de prevenção seguem causando discórdia. Conforme a advogada e presidente do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa) de São Paulo, Áurea Abbade, a recomendação da OMS deve ser vista com cautela, já que a definição de grupos de risco representa um retrocesso, pois o que deveria ser levado em consideração são os comportamentos de risco, o que abrange todos aqueles que fazem sexo sem proteção e compartilham seringas. A advogada, entretanto, reconhece que houve um "relaxamento" nas políticas públicas, e ressalta a importância de resgatar principalmente as formas de prevenção básicas.
Para Sprinz, buscar novas formas de informar a população e estimular a prevenção e, em especial, os grupos mais vulneráveis, é uma medida coerente, já que estes têm uma prevalência mais elevada de contaminação que os demais:
- Mas não podemos esquecer que é preciso sempre garantir o sexo com proteção, já que a população em geral também está se expondo mais ao vírus nos últimos anos.