Pouco depois das 11h de terça-feira, a advogada Fernanda Nunez Mendes Ribeiro, 42 anos, recebeu em seu celular um torpedo enviado por José Carlos Pires, funcionário da Câmara dos Deputados: "Fiz o protocolo. É um dos momentos mais tristes da minha vida".
Fernanda leu a mensagem em voz alta ao marido, o deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB). Discretamente, ele limpou as lágrimas com o dorso da mão e disse em tom de resignação:
- Por mais que eu goste da política, gosto mais da minha vida.
O torpedo confirmando o requerimento da aposentadoria de Mendes por invalidez era do mais antigo funcionário de seu gabinete, que permaneceu na Câmara a pedido dele pelo suplente Eliseu Padilha (PMDB-RS), quando se licenciou para tratar da saúde. A relação é antiga: Pires havia sido assessor de Jorge Alberto Mendes Ribeiro, o pai do deputado, que morreu em 1999.
Quando o torpedo do assessor chegou, fazia mais de uma hora que Mendes conversava, na sala de seu apartamento, sobre a difícil decisão de requerer a aposentadoria por invalidez aos 59 anos, fragilizado pela batalha contra um câncer no cérebro e impossibilitado de exercer o mandato pelas sequelas das três cirurgias e da quimioterapia.
Com dificuldade para andar, ele faz fisioterapia três vezes por semana e frequenta diariamente uma academia de ginástica. Se falta à aula ou se dá algum sinal de indisposição, a professora manda uma mensagem para Fernanda. Juntos há 10 anos, é ela quem cuida da alimentação à base de produtos orgânicos, dos remédios e do contato com os médicos. Era nela que Mendes se apoiava nos aeroportos, quando ainda resistia em se licenciar e não queria usar a cadeira de rodas.
- Minha vida sempre foi a política. Se tiro a política da minha vida, o que fica? Minha mulher maravilhosa e meus filhos - ele pergunta e responde sem pausa entre as duas frases.
No apartamento em que os dois moram, no oitavo andar de um edifício no bairro Bela Vista, Mendes contempla a vista de Porto Alegre e diz que seu escritório político agora é ali. Mas ele está marginalizado das articulações porque integra a ala ligada à presidente Dilma Rousseff (PT), enquanto velhos companheiros trabalham por uma aliança com Eduardo Campos (PSB).
Saudade das viagens e do contato com os eleitores
O deputado licenciado sente falta das viagens pelo Interior, dos telefonemas, dos apertos de mão e do contato com os eleitores. Em 30 anos e nove eleições disputadas, contabiliza cerca de 1 milhão de votos.
- Chegava a fazer cem mil quilômetros por ano. Entrava na casa dos meus eleitores pela porta dos fundos, tomava café como se estivesse na minha própria casa.
Muitos eleitores fizeram uma corrente de solidariedade e de oração quando souberam da doença. No quarto do casal, Fernanda organizou um nicho com as imagens sacras recebidas de diferentes pontos do Estado - Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio e São Francisco, entre outros menos conhecidos.
Aos amigos que não telefonam, preocupados em não interromper seu descanso, Mendes manda um recado tranquilizador: não está proibido de falar. Pelo contrário, adora conversar e jamais trocou o número de seu celular de final 1510, o mesmo com o qual concorreu nos cinco mandatos de deputado federal.
Esse era o número utilizado pelo seu pai e que, agora, ele deseja transferir para o herdeiro político, o filho Pablo, que concorrerá a deputado federal nas eleições deste ano.
Nos planos, escrever livro e ver filho eleito deputado
Ao repassar sua trajetória política, Mendes oscila entre o entusiasmo das boas lembranças e a melancolia da despedida.
- A passagem pelo Ministério da Agricultura foi a experiência mais gratificante. Mas não foi a única. Chefiei a Casa Civil no melhor governo que este Estado já teve (o de Antônio Britto) e escrevi a Constituição do meu Estado - resume, animado.
Em seguida, o rosto se contrai.
- Era a minha vez de concorrer a governador. Mas o velho lá em cima não quis - observa.
Ele estava no ministério em outubro de 2011 quando teve a confirmação da recidiva do tumor no cérebro, do qual se imaginava livre desde a cirurgia feita em 2007.
- Por que eu? - tinha sido a pergunta feita no primeiro diagnóstico.
- Por que agora, que estou num momento tão bom? - questionou-se, ao descobrir que teria de fazer a segunda cirurgia.
Operado mais duas vezes, tentou manter a rotina no Ministério da Agricultura, mas foi aconselhado por Dilma a sair em março de 2013, para cuidar da saúde. Por cinco meses, exerceu o mandato de deputado, sofrendo com a ponte aérea e com a dificuldade para circular pelos extensos corredores da Câmara.
Em agosto do ano passado, pediu licença do mandato e voltou para Porto Alegre. Resistiu até a semana passada em aceitar a recomendação dos médicos para encaminhar o pedido de aposentadoria e arquivar o sonho de ser governador.
Até o final do ano, Mendes deve lançar um livro de memórias, ainda sem título, escrito pelo publicitário Zeca Honorato a partir de longos depoimentos gravados nos últimos meses. Mesmo com limitações físicas, diz que vai trabalhar para tentar eleger o filho:
- Estou saindo do mandato, não vou disputar eleição, mas a política nunca sairá de mim.