A tarde agradável desta sexta-feira, em Porto Alegre, poderia ser a justificativa para jovens passearem com amigos, visitarem namorado ou namorada ou simplesmente irem jogar futebol. Mas houve quem preferisse acompanhar as duas horas de caminhada da 55ª Via Sacra do Morro da Cruz, celebração que encenou a crucificação de Jesus Cristo, no bairro Partenon.
A programação começou às 14h, dentro do Santuário José do Murialdo, local não muito frequentado por jovens, como afirma o pároco Luiz Carlos Maciel dos Reis:
- Não temos notado tanto a presença de jovens, o que é uma lástima. Um pouco é culpa da Igreja, que precisa avançar, se modernizar. Às vezes, os jovens são "xingados", porque não são entendidos. Vivemos um período de aridez religiosa. Mas acho que isso ainda vai mudar. A humanidade dá voltas.
Nesta sexta-feira, durante a celebração da paixão, foram os jovens que deram "uma volta". Havia os que chegavam à porta, olhavam ao redor, invariavelmente com um celular grudado na orelha, e saíam. Outros até seguiam o missal - roteiro impresso da celebração -, mas se desviavam a cada mensagem que chegava pelo Snapchat ou pelo WhatsApp.
A maioria circulava pelo pátio e pela esquina das ruas Vidal de Negreiros e 1º de Março, onde estava o palco, ponto de saída da procissão. Do lado de dentro, o comerciante Anderson Coser, 25 anos, morador da Cavalhada, acompanhava a liturgia, com familiares.
- Participo há mais de 10 anos. Venho para agradecer por pedidos que faço e são realizados. Durante o ano, frequento o Santuário Mãe de Deus.
Seu irmão, Alisson, 14 anos, vai ao Morro da Cruz na Páscoa desde que nasceu. O jovem valoriza o tempo ao lado da família:
- Gosto de acompanhar meus pais. Não me dá vontade de ficar em casa, jogando videogame.
Moradora da região assistiu à encenação pela sétima vez
Do lado de fora, algumas pessoas se posicionavam próximas do palco para acompanhar o início do espetáculo. Entre os presentes havia jovens, como Tainele da Rosa Hoeckel, 20 anos. Foi a sétima vez que ela viu o deputado estadual Aldacir Oliboni interpretar Jesus - o parlamentar faz o papel desde 1981. Em 2014, Tainele levou ao evento o irmão Tairone, oito anos, e o namorado Irwin Coimbra, 28 anos.
- Acho muito bonita a encenação, e é importante que o meu irmão conheça a história de Cristo - disse a moradora do Morro da Cruz, abraçada por Irwin, que, embora católico, não costuma ir à missa, mas acreditava que sua presença na celebração ajudaria a solidificar o namoro de seis meses.
Ao final do trajeto de duas horas pela Rua Santo Alfredo até o topo do morro, muitas pessoas haviam se juntado à caminhada. O número de participantes foi estimado pelos policiais em torno de 8 mil fiéis.
Na chegada ao Calvário, foi encenada a crucificação. Mas o ponto que arrancou aplausos e gritos dos populares foi a luta entre um anjo e a morte.
Depois que Cristo ascendeu ao Céu e retornou, o microfone voltou às mãos do pároco. Antes de desejar boa Páscoa, ele alertou:
- Há quem venda Cristo por menos de 30 moedas. São os que ficam horas e horas na internet, ou bebendo exageradamente no bar, ou usando drogas.
Mas, nessa hora, boa parte dos jovens já estava, de novo, dando uma volta.
Sacrifício e promessa paga
A encenação da Via Sacra do Morro da Cruz, que tem cerca de um quilômetro e meio de distância até o topo, é um patrimônio dos moradores da região. É difícil encontrar, entre os participantes, quem não esteja pagando uma promessa para agradecer por um pedido realizado.
Ex-jogador de futsal, Giovani Ranzolin, 26 anos, acompanhou a procissão pela segunda vez. No ano passado, diz ter ido com o objetivo de conhecer o trajeto e se manter próximo à fé:
- Prometi que, se passasse em um concurso para o Tribunal de Justiça, subiria o morro descalço. Estou aqui para cumprir a promessa. Precisei de muito esforço para passar. Não foi só com fé. Mas ela é um dos fatores, sem dúvida, um dos importantes.
Giovani voltou ao Brasil em 2013, após uma década na Itália, onde atuou pelo Verona. Antes de ir, não era religioso. Na Europa, isto mudou:
- Na Itália, comecei a ir à missa todos os domingos. Isso me ajudou a me manter focado e serviu como conforto por estar sozinho lá.