Relatório do Tribunal de Contas do Estado mostra descontrole na gestão do Instituto de Previdência do Estado. Entre os motivos que afetaram o equilíbrio econômico-financeiro, segundo a Corte, está o aumento da idade média dos beneficiários, a possibilidade de desligamento de servidores do plano de saúde e contratos de prestação de serviços de saúde sem revisões.
Segundo o Tribunal de Contas, dos 310 contratos de prestação de serviço de saúde com prefeituras e fundações, 143 dão prejuízo ao IPE, em razão da alta sinistralidade. Outros 94 estão em situação crítica, onde a receita não é suficiente para sequer pagar as despesas.
As despesas do IPE de 2004 a 2013 cresceram 104%. O Fundo do IPE-Saúde deve ficar sem dinheiro ainda neste ano, caso nada seja feito, alertam os auditores. Num cenário otimista, o Tribunal de Contas do Estado afirma que o déficit do IPE chegará a um R$ 1 bilhão em dez anos. A conclusão é de que a sobrevivência do IPE-Saúde só será possível com redução de despesas e aumento de receitas.
O relatório do Tribunal de Contas também apontou descontrole na administração dos imóveis pertencentes ao IPE. Foi feita uma análise por amostragem em Porto Alegre:
- Sala Comercial localizada na Rua dos Andradas, no Centro – “Abandonada e em mau estado de conservação”.
- Sala comercial localizada na Rua Doutor Flores, no Centro – “Desocupada”.
- Sala comercial localizada na Rua dos Andradas, no Centro – “Péssimo estado de conservação, com entulho espalhado pelo piso. Também há buracos nas paredes causados por obras terceiros”.
Além das salas comerciais, é citado no relatório um prédio de 12 andares do IPE, que há mais de 10 anos é ocupado por invasores. A reportagem esteve no local e conversou com alguns ocupantes que não quiseram se identificar. Muitos vieram do interior e se instalaram no local. Há até mesmo orientação em cartazes para manter o local limpo. Os apartamentos possuem ar-condicionado e antenas de TV por assinatura.
Numa das áreas mais nobres de Porto Alegre, no bairro Bela Vista, o IPE possui um terreno de mais de sete mil metros quadrados. Fica na Rua Furriel Luiz Antônio de Vargas. No local, há uma escola estadual que está com o contrato irregular, segundo o Tribunal de Contas. Também existe uma casa que é ocupada por uma servidora que trabalha há 38 anos do Instituto. Dona Vera conversou com a reportagem, mas não quis gravar entrevista. Ela mora na residência há mais de 20 anos. Segundo o TCE, ela paga R$ 600 por mês de aluguel. Só que nessa área, o valor do aluguel é muito maior. O TCE fez comparações com o aluguéis de casas do mesmo tamanho em bairros humildes da cidade, onde os valores são maiores que o pago por Dona Vera. No mesmo terreno, descobrimos que há mais gente morando, que não foram citadas no relatório do Tribunal de Contas./ É o caso da família do Sr. Anselmo.
“Meu pai e meu avô vieram morar aqui nesse terreno há 54 anos. Eles vieram a pedido de um presidente do IPE da época. Ninguém queria morar nessa área. Era só mato aqui. Agora, temos casas melhores que tínhamos. Não pagamos nada na época para morar aqui. Também nunca pagamos nada de aluguel”, admite Anselmo.
Na Avenida Ipiranga, uma das principais vias de Porto Alegre, o IPE possui um terreno 1.893 metros quadrados. O imóvel foi alugado em 1994 pelo dono de um posto de gasolina, que já possuía uma área ao lado. O contrato de concessão entre o IPE e o empresário expirou 15 anos depois, no dia 14 de junho de 2009. Segundo o Tribunal de Contas, há quase cinco anos que a área deveria estar desocupada.
Ainda segundo o relatório, há descontrole também na cobrança de dívidas com o IPE, que superam os R$ 3 bilhões. Confira os maiores devedores:
- Tesouro do Estado – Mais de R$ 500 milhões;
- DAER – R$ 28 milhões;
- Superintendência de Portos e Hidrovias – R$ 14 milhões;
- Corsan – R$ 3,7 milhões;
Quanto aos servidores, segundo o relatório do Tribunal de Contas, há falta de efetivos e número elevado de temporários. Dos 282 servidores efetivos, 118 estão em condições de se aposentar. Há funções de caráter permanente, ocupadas por servidores temporários.
Na base de dados do IPE-Saúde, há mais de 600 beneficiários com planos ativos, mas que já morreram. Também que há quase mil e quinhentos CPFs de segurados que não constam na base de dados da Receita Federal. Há ainda beneficiários que já morreram, mas que seguem consultando:
- Beneficiário do IPE-Saúde morreu em novembro de 2012, mas realizou consulta em janeiro de 2013.
- Beneficiário do IPE-Saúde morreu em setembro de 2012, mas consultou em fevereiro, abril e julho de 2013.
Outro problema está relacionado à fragilidade no Cadastro de Consultas Médicas. Entre os problemas, está a não utilização do leitor do cartão do IPE. m médico aparece com 17 consultas em 40 minutos. Há ainda profissionais atendendo fora do horário comercial. Um deles, por exemplo, fez cento e 93 consultas no primeiro semestre de 2013, das 20h às 6h. Num só dia, um médico registrou 109 consultas.
O relatório da Inspeção especial no IPE, mesmo que ainda não tenha sido votado pelo plenário do Tribunal de Contas do Estado, já surtiu efeito. O deputado Paulo Odone, que tinha um projeto para incluir pais como dependentes de segurados do IPE-Saúde, suspendeu a tramitação da matéria após saber dos problemas. Até o fechamento dessa reportagem, o presidente do IPE não atendeu às ligações.
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