Sem qualquer licença da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), a prefeitura de Candelária resolveu, por conta própria, desviar o curso do rio Pardo. A alteração do leito dágua, inicialmente imaginada como solução para os problemas de erosão que comprometiam casas na margem direita do rio, está dando dor de cabeça para a Secretaria de Meio Ambiente da cidade.
E para a Fepam também. A construção de um dique que serviria para desviar a água do rio para um canal abandonado é considerada pelo órgão um dano inédito a Área de Preservação Permanente (APP).
Vistoriando a região do crime ambiental, na localidade de Linha do Rio, interior de Candelária, geólogos e biólogos concluíram que a prefeitura interferiu de forma indevida, retirando a vegetação e "cavocando", na margem esquerda do rio, com duas dragas e uma retroescavadeira, um canal de 25 metros de largura, dois de profundidade e quase 300 de extensão.
- Um flagrante desacordo com as normas de proteção ambiental - resumiu o técnico da Fepam, geólogo e ex-secretário estadual de Meio Ambiente José Alberto Wenzel.
Segundo ele, a obra foi suspensa - em ação conjunta entre Fepam e Brigada Militar - quando faltava apenas meio metro para o rio Pardo começar a passar pelo leito "novo" (e ilegal).
Frente à alta probabilidade de chuvas na região, que poderiam empurrar quilos de terra e cascalho para dentro do rio, a primeira medida solicitada à prefeitura é, literalmente, tapar o buraco. Depois, devem apresentar à Fepam um projeto de recuperação da área degradada. A multa estabelecida pelo Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (Defap) foi de R$ 50 mil. Já a Fepam, diante de um caso tão particular, ainda não sabe precisar o valor da punição.
- Antes, vamos ter que fazer uma análise profunda para quantificar os estragos. É um caso bastante diferenciado porque envolve um rio de porte significativo - diz Wenzel.
O presidente do órgão, Nilvo Luiz da Silva, afirmou apenas que a multa deve ultrapassar, e muito, os R$ 100 mil. O orçamento da Secretaria de Meio Ambiente, Pesca e Agricultura de Candelária é de R$ 4 milhões para 2014. O relatório do caso, considerado crime ambiental grave, deve ser encaminhado também ao Ministério Público.
Alterar o curso do rio não solucionaria, segundo Wenzel, o problema das casas sob risco de desmonoramento. O ideal seria a construção de um pequeno molhe, que diminuiria a energia das águas, e a implementação de matas de galeria para tornar as margens mais retas.
Em reunião entre secretaria e Fepam, a prefeitura reconheceu o erro - sob a justificativa de que estaria sendo pressionada pelos moradores da região - e se prontificou a fazer a restituição da APP.
O que deveria ter sido feito:
Para obter a autorização para retificar um curso dágua, a prefeitura de Candelária deveria ter declarado à Fepam a utilidade pública da obra e apresentado Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Em simulação, o órgão afirmou que o licenciamento para esta obra, definida como de porte médio e de alto potencial poluidor, custaria cerca de R$ 25 mil à prefeitura - só a multa aplicada pelo Defap é o dobro disso.
Quadro amarelo, na imagem, mostra onde ocorreu o dano - Foto: Google Maps/Reprodução
O secretário de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca de Candelária, Paulo Hoffmann, disse que orçou o EIA/Rima com uma empresa de consultoria do Vale do Rio Pardo. O valor ultrapassaria os R$ 350 mil. Confira a entrevista:
Zero Hora - Por que vocês resolveram fazer esta obra?
Paulo Hoffmann - Tínhamos um abaixo-assinado de 15 famílias. O rio estaria prejudicando algumas casas, que corriam risco de cair. Inclusive uma casa centenária, que abrigou os primeiros donos de uma fábrica de fumo aqui no Rio Grande do Sul. Os moradores, muitos deles agricultores que estavam perdendo suas lavouras, começaram a se sentir lesados e denunciaram a situação à prefeitura. Tentamos botar o rio para um leito antigo.
ZH - Vocês tinham algum tipo de autorização?
Hoffmann - Tínhamos um ofício da Defesa Civil que exigia que a prefeitura tomasse providências sobre esses agricultores.
ZH - E a licença ambiental da Fepam?
Hoffmann - É que a gente agiu na emergência. Queríamos ajudar essas pessoas. Agimos mais pela emoção do que pela razão, devido à grande insistência dos proprietários, que estavam se sentindo lesados. Agimos de boa fé, mas aí a gente se complicou.
ZH - O que aconteceria com esse rio, caso a obra fosse concluída?
Hoffmann - A gente construiu uma vala funda na margem para tentar fazer com que o rio passasse por um canal antigo, que inclusive tem bombas puxando água. Achamos que o rio correria normalmente. Não esperávamos esse alvoroço.
ZH - O que ficou definido depois da reunião com a Fepam?
Hoffmann - A gente vai recuperar os danos cometidos. Vamos refazer o que fizemos errado, isso eu posso garantir. Temos que fazer projeto para plantar novamente a vegetação e devolver ao meio-ambiente o que infelizmente a gente danificou.