Mais do que uma companheira, Maria Coussirat Camargo era a verdadeira guardiã da obra de seu marido, o artista Iberê Camargo. Dona Maria, como era chamada, morreu na tarde desta terça-feira, aos 98 anos, de causas naturais. Ela estava internada no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Maria ocupava a cadeira de presidente do conselho superior da Fundação Iberê Camargo, instituição criada por ela em 1995, um ano após a morte do marido. Por isso seu velório será no auditório da própria sede da instituição, nesta quarta, entre 14h e 20h. O enterro está marcado para quinta-feira, às 11h, no cemitério Santa Casa.
Nascida em 28 de novembro de 1915, em Porto Alegre, Maria Camargo formou-se professora na Escola Sevigné e, por se destacar nas aulas de desenho, foi aceita na antiga Escola de Belas Artes, atual Instituto de Artes da UFRGS. Lá, obteve a graduação em pintura e estudou com grandes professores da época como Ângelo Guido, Francis Pelichek, Luis Maristany de Trias, Fernando Corona, José Lutzenberger, João Fahrion.
Foi em 1939 que Iberê Camargo conheceu Maria, sua colega em uma aula de História da Arte. Em novembro, eles se casaram. Reconhecendo o talento do marido, Maria começou cedo a guardar seus desenhos e o acompanhou nas mudanças e viagens que a carreira de pintor exigiria. Foi assim em 1942, quando Iberê recebeu uma bolsa para estudar no Rio de Janeiro e também em 1949, quando partiram para uma temporada na Europa.
No Rio, enquanto Iberê estudava pintura, Maria atuava como desenhista de arquitetura na Companhia Pederneiras. Mas ela também organizava os materiais de pintura do marido e inclusive fazia às vezes de agente, cobrando pagamentos dos colecionadores inadimplentes. Também foi conselheira de Iberê, opinando sobre suas pinturas e sendo retratada em várias delas.
Durante os 54 anos em que esteve ao lado do pintor, Maria manteve uma série de cadernos nos quais anotou títulos, dimensões, datas, preços e nomes de compradores de pinturas e gravuras - documentos que hoje fazem parte do espólio artístico abrigado na Fundação Iberê Camargo. A instituição foi criada em 1995, a partir da doação da coleção pessoal de Maria Camargo, que nunca deixou de estar presente nela.
"Do momento da institucionalização da Fundação até o fim da construção da nova sede, Maria acompanhou todos os detalhes. A partir do dia em que a Fundação abriu suas portas para receber o público, Dona Maria esteve sempre presente, emocionando-se com o trabalho desenvolvido e participando das atividades. Hoje, a Fundação Iberê Camargo se despede de sua instituidora com profundo pesar.", escreveu Fabio Coutinho, superintendente cultural da Fundação Iberê Camargo.
O diretor-presidente da Fundação, Felipe Dreyer de Avila Pozzebon, também se manifestou:
"Dona Maria, como era carinhosamente chamada, nos deixa um grande exemplo de dedicação e companheirismo, e um legado de preservação da memória e da arte brasileira".
O presidente executivo da Fundação Iberê Camargo, Jorge Gerdau Johannpeter, elogiou a dedicação de Dona Maria:
"Determinada, generosa e zelosa por Iberê Camargo e a sua arte, deixa-nos um grande exemplo de amor e realizações", escreveu o executivo.
Diretor da Fundação Iberê Camargo, José Paulo Soares Martins, também agradeceu Maria Camargo e citou um texto escrito pelo próprio Iberê à esposa:
Quando eu estiver deitado na planície, indiferente às cores e às formas, tu deves te lembrar de mim. Aí onde a planície ondula, a terra é mais fértil. Abre com a concha da tua mão uma pequenina cova e esconde nela a semente de uma árvore. Eu quero nascer nesta árvore, quero subir com os seus galhos até o beijo da luz. Depois, nos dias abrasados, tu virás procurar a sua sombra, que será fresca para ti. Então no murmúrio das folhas eu te direi o que o meu pobre coração de homem não soube dizer.