Filme controverso da virada de ano, A Vida Secreta de Walter Mitty ganhou fãs e detratores na mesma proporção. Foi incensado e desprezado na imprensa norte-americana e nas crônicas de jornal em Porto Alegre (Cláudia Tajes e o crítico da Empire adoraram; Kyle Smith, do New York Post, detestou). O que nem sempre constitui uma contradição. Depende da forma como se olha para o filme.
É que o longa dirigido e protagonizado por Ben Stiller, que está em cartaz no circuito, sofre de um transtorno semelhante à personalidade borderline: está no limite do excesso de emoções, para o bem e para o mal. Força um tipo de sensibilidade, o que o faz soar artificial. Ao mesmo tempo, traz aquela sensação fantástica de fuga da realidade limitada. Não deixa de ser algo infantil - mas num sentido diferente da infantilização tão comum em Hollywood hoje.
Mitty (Stiller) é um célebre personagem da ficção criado por James Thurber num conto de 1939, antes adaptado em O Homem de 8 Vidas (1947). No novo filme, ele assume a função de chefe do arquivo fotográfico das revistas Time e Life. Corre risco de demissão, já que as tradicionais versões em papel das publicações estão em vias de extinção. Não que ele precise de motivos para viver no mundo da Lua ("Walter Mitty" já foi sinônimo de gente avoada nos EUA), mas a tensão resultante do momento, somada à atração que passa a sentir por uma colega (Kristen Wiig) e à necessidade de ir atrás de um fotógrafo que viaja pelo mundo (Sean Penn) para buscar um negativo servem de impulso aos seus delírios escapistas.
Talvez, diferentemente do que pensou parte da crítica, associando sua aventura aos roteiros de Charlie Kaufman (Adaptação, Quero Ser John Malkovich), faça mais sentido pensar nele como algo entre Forrest Gump (1994) e Amélie Poulain (2001). Houve quem dissesse que a pretensão derruba suas boas intenções, mas não dá para comparar o cinismo de Kaufman com a exaltação da pureza desses dois últimos longas.
Seus defeitos são ressaltados pela - permitam-me o neologismo - hipsterização da figura de Mitty, que vira uma espécie de super-herói flanando ao som de Arcade Fire e é associado ao astronauta Major Tom das canções de David Bowie. Pior do que isso é a construção narrativa do filme, cujas viradas seguem sem qualquer constrangimento os manuais mais básicos de roteiro cinematográfico.
Da outra vez que dirigiu um longa dramático (Caindo na Real, de 1994), Stiller também ficou preso a clichês que evidenciam limitações como autor. Ainda assim, o filme se tornou um ícone geracional, representante de sentimentos comuns a muitos espectadores. É a história se repetindo quase 20 anos depois. Sem Winona Ryder, mas com uma trilha sonora e um visual ainda melhores.
A VIDA SECRETA DE WALTER MITTY
(The Sectret Life of Walter Mitty)
De e com Ben Stiller. Com Kristen Wiig, Sean Penn, Jon Daly, Adam Scott e Shirley MacLaine.
Aventura, EUA, 2013. Duração: 114 minutos. Classificação: 10 anos.
Cotação: 3 (de 5) estrelas.