Marcelo de Lima Henrique, juiz do Gre-Nal, cresceu ouvindo o nome da mãe ser homenageada em coro em jogos do futebol carioca. Seu pai, José Henrique Neto, era árbitro, quase duas décadas de atividade. Com cinco anos, o pequeno e assustado Marcelo saiu de um estádio enfurecido no inóspito interior de um camburão da polícia. A cena o marcou.
Como o futebol ocupava a rotina da família, jornais, rádio e TV sempre sintonizados no esporte, Marcelo não deu atenção aos apitos (e os pitos) que recebia do pai na adolescência. Calçou luvas e foi ser goleiro. Passou por Flamengo, Bangu, América e Operário-MS. A carreira não avançou como todos imaginavam e torciam. José Henrique arrastou o filho ao curso de árbitros da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FERJ). Sem dinheiro, ganhou uma bolsa, o velho quitou o restante.
O goleiro sobrevivia nas peladas, nas brincadeiras, enquanto o futuro e sério árbitro tomava forma.
Apesar da boa relação do pai, o começo do filhão não foi Fifa, seu endereço atual, aos 42 anos, 18 de arbitragem. Ele só estreou na Série A do Brasileirão em 2007. Ralou nas ligas menores, entre amadores, nos campeonatos de bairros de campo de chão batido e no pegado futebol de praia, a areia de Copacabana como um dos cenários.
Vestia dois uniformes, o primeiro era da Polícia Militar, hoje, 25 anos depois, é primeiro-sargento dos Fuzileiros Navais.
Tentou no ano passado um terceiro, o de nobre vereador da sua cidade, a desconhecida Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, pelo Partido Verde (PV), mas levou cartão vermelho dos habitantes locais. Fez 226 votos chorados em meio a uma carente população de quase 220 mil habitantes.
Marcelo não é nada político em campo. É um árbitro severo. Os jogadores dizem que ele trabalha com as duas fardas sobrepostas, não raro com a militar em primeiro plano, sombreando o escudo da Fifa que carrega no peito desde 2008.
Ele já confessou que abomina atletas, dirigentes e jornalistas que opinam (ou agem) sem conhecer as verdadeiras regras do futebol. Incrimina os jogadores que simulam, os cai-cai da vida, dá duro neles.
Dorme mal quando vê e revê na TV lances nos quais errou. Sofre com as criminosas redes sociais que o acusam de torcer pelo Flamengo - especialmente após uma vitória sobre o Botafogo (2 a 1) na final da Taça Guanabara, em 2008. A polêmica arbitragem levou o então técnico Cuca a chamá-lo de "filho da p....". Uma foto com Marcelo de camisa rubro-negra corre na internet desde então. Era falsa. Mas até desvendar a tramoia, o estrago estava feito.
- O árbitro é anti-herói, carrega uma rejeição. No meu caso, é maior, pelo meu jeito militar. Não sou de ficar sorrindo - disse na época.
Torcedor não sabe, não crê, que a paixão por um time de futebol é incapaz de afetar o julgamento de uma arbitragem, assim como não muda o tom do comentário de um jornalista profissional.
Com o apito na mão, Marcelo sonhava com a Copa. Não será possível. Estará aposentado no Mundial de 2018. Poderá levar como um troféu de carreira o clássico Uruguai 3x2 Argentina, jogo de terça passada pelas Eliminatórias. Contará aos netos da importância de apitar um dos maiores jogos do continente. Não revelará que, pelo seu trabalho em Montevidéu, o descalibrado jornal Olé o classificou de "Brasileiro ratón" que, na Argentina, significa "Brasileiro falcatrua". O que o sério juiz Fifa, o árbitro que quase nunca sorri, não é mesmo.
Desde o Rio de Janeiro, a voz firme do árbitro carioca Marcelo de Lima Henrique é também clara ao celular no começo de uma tarde. Ele atendeu depois de quatro toques. Avisou.
- Só dou entrevistas por escrito. Envie as questões para o meu e-mail.
A coluna mandou seis perguntas ao árbitro do clássico Gre-Nal número 398. Recebeu as repostas no final deste mesmo dia e na hora acertada. São curtas, diretas e sem floreios. Leia.
Zero Hora - O senhor vive no Rio, está distante da rivalidade gaúcha. Qual a sensação de trabalhar num Gre-Nal?
Marcelo de Lima Henrique - Sou do futebol, e sei bem o que é um GreNal, arbitrei o 388 (Grêmio, 2 a 1).
ZH - O Gre-Nal é mesmo o jogo mais difícil de ser apitado no Brasil? Há outros?
Marcelo - Gre-Nal está no mesmo nível de Flamengo e Vasco, Bahia e Vitória, Cruzeiro e Atlético, Sport e Náutico... Grandes clássicos que arbitrei algumas vezes com torcidas muito apaixonadas e vibrantes.
ZH - Qual a rotina de um árbitro experiente, com nome na Fifa, antes das grandes partidas? Estuda os jogadores, assiste a vídeos dos jogos, conversa com colegas?
Marcelo - Uso todas as ferramentas que posso para tentar fazer o melhor para a partida.
ZH - Por ser um militar, os jogadores o respeitam mais?
Marcelo - O respeito se conquista dentro da carreira, o respeito é mútuo, independe de profissão.
ZH - Um clássico no Interior, numa cidade como Caxias do Sul, na serra gaúcha, distante da Capital, requer mais cuidados com a sua segurança pessoal?
Marcelo - A Brigada Gaúcha é extremamente competente, de extrema confiança e sabe trabalhar.
ZH - Como o senhor analisaria a arbitragem brasileira dos nossos dias. Está entre as melhores do mundo? Qual a escola de arbitragem que o senhor mais admira?
Marcelo - A arbitragem brasileira sempre estará no topo da pirâmide, arbitramos no país PENTACAMPEÃO DO MUNDO (a grafia em letras maiúsculas é do entrevistado).