Desde 2011, começo da atual legislatura, a Câmara desembolsou R$ 43,9 milhões em combustíveis e lubrificantes. Com o valor, seria possível comprar 15,5 milhões de litros de gasolina, suficiente para percorrer 766 vezes os 202 mil quilômetros da malha rodoviária brasileira.
Ou seja, a mais de um ano do fim dos mandatos, a Câmara já gastou mais em combustíveis do que se financiasse o tanque de viagens dos 513 deputados a todas às localidades do país atingíveis por rodovias. Mesmo a despesa sendo uma das únicas com teto de gastos.
Veja as reportagens da série Foco nos Gatos
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Os números constam em levantamento feito por Zero Hora, com base em dados abertos do Portal da Transparência da Câmara. Os gastos em combustível - para carros, embarcações e aeronaves - integram a cota para o exercício da atividade parlamentar, ajuda de custo que a Câmara oferece para despesas como hospedagem, alimentação e passagens aéreas. O valor da cota varia conforme o Estado de origem do político - no Rio Grande do Sul, cada deputado tem direito a RS 34.573,13 mensais.
Ao lado da verba indenizatória em segurança, o combustível obedece a um teto. Nenhum gabinete pode gastar mais do que R$ 4,5 mil mensais, reembolsados pela Casa mediante nota fiscal, para abastecer os veículos que transportam o parlamentar e seus assessores em Brasília ou nas bases eleitorais. Contudo, para criar o limite foi preciso um escândalo.
Em 2006, denúncias na imprensa demonstraram que os deputados consumiram
R$ 41 milhões em combustíveis no ano anterior. Sem o teto da rubrica, alguns parlamentares apresentavam notas mensais de R$ 30 mil, praticamente esgotando a cota com combustíveis.
A Mesa Diretora da Câmara, contudo, só criou o teto em 2009, limite que continua vigente. Com a decisão, o gasto ficou mais homogêneo. Em 2011 e 2012, por exemplo, os 513 deputados utilizaram R$ 16,1 milhões para encher o tanque de seus veículos.
Na bancada gaúcha, com 31 integrantes, o desembolso foi de R$ 2,8 milhões desde 2011 - na média, é a 15ª bancada que mais usa essa rubrica. O líder da despesa é Sérgio Moraes (PTB), com R$ 142.291,31, dentro do teto estabelecido. Segundo o deputado, a justificativa é ter assessores dedicados a todos os municípios fumageiros do Estado:
- Tenho pessoal que atende Barros Cassal, Gramado Xavier, Candelária, Vera Cruz, Venâncio Aires. Todos os municípios que têm fumo. Gasto pelo menos R$ 1 mil a mais do que a cota estabelece, do próprio bolso. Acho até que ela deveria ser maior, especialmente para alguém como eu, que tem como comprovar e que não gasta em outras despesas, como mídia, por exemplo.
Em 2012, o deputado recebeu críticas por suas notas serem todas de um mesmo posto, de Santa Cruz do Sul. Moraes declara ter mudado sua conduta neste ano:
- Tinha desconto nesse posto. Então, toda segunda-feira fazíamos uma reunião em Santa Cruz e o pessoal abastecia. Mas reclamaram, então eu mudei. Isso é notícia velha.
O diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Abramo, questiona a necessidade da cota parlamentar. No caso do combustível, defende que cada deputado custeie do próprio bolso sua locomoção.
- O deputado deve pagar a gasolina como qualquer cidadão, com seu dinheiro. A cota a serviço do mandato é desculpa, pois tudo é campanha, é gasto para garantir a reeleição - critica.
Prestação de contas expõe a fragilidade das explicações
Caue Fonseca
caue.fonseca@gruporbs.com.br
Estipular teto mensal para a despesa com combustíveis coibiu fraudes de valores gritantes, mas não resolveu os problemas com o mau uso da cota parlamentar nesta rubrica. O problema é o valor - de R$ 4,5 mil mensais. Para consumir tanta gasolina em um automóvel a 80 km/h, por exemplo, o parlamentar teria de fazer uma viagem diária de mais de 6h30min todos os 30 dias do mês.
A justificativa é de que a cota de combustíveis serviria também para o abastecimento de aeronaves. Na prática, o que acontece é a disseminação da nota fechada no teto da despesa.
Dos 513 deputados, 90 apresentaram pelo menos uma vez à Câmara a despesa de R$ 4,5 mil para fins de reembolso, com a justificativa de que, na verdade, tiveram um gasto superior ao teto. Não raro, a nota é fornecida por um único posto de gasolina, o que torna frágil a explicação.
É o caso do recordista da despesa, o cearense Aníbal Gomes (PMDB). Dos
R$ 151,1 mil que ele já gastou em combustível, R$ 139, 5 mil foram reembolsados com notas do mesmo posto. Desde 2011, ele já apresentou 30 notas de R$ 4,5 mil. Se o serviço foi realmente prestado, a Câmara não sabe.
- A Câmara deveria fazer auditorias sérias na prestação de contas para saber se as notas não são frias - diz diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Abramo.
Entre os parlamentares que apresentaram notas que batem no teto está o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN): já foram sete com o valor cheio, sempre da mesma empresa.